STF não pode ser uma casta privilegiada, diz senador sobre Lava Toga

A VEJA, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que vai à Justiça se presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), arquivar terceiro requerimento

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O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pretende protocolar, nesta terça-feira, 17, o terceiro requerimento para instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende investigar o Poder Judiciário. Entre indas e vindas, a CPI da Lava Toga, como ficou conhecida a iniciativa, dividiu opinião entre parlamentares, rachou o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e causou insatisfação de bolsonaristas nas redes sociais.

Em entrevista a VEJA, Alessandro Vieira afirma que persiste com a ideia de investigar o Judiciário por acreditar que, em uma democracia, não pode haver “uma casta privilegiada que não pode sequer ser investigada”. Diz, ainda, que a CPI do Judiciário, instalada em 1999, estopim para a cassação do então senador Luiz Estevão (DF), é uma inspiração para os parlamentares do grupo “Muda Senado, Muda Brasil”, que encampam a condução de uma das pautas mais controversas do Congresso.

O ministro do STF Gilmar Mendes disse que a CPI é inconstitucional e que está sendo utilizada por senadores, como o senhor, como artifício para se manter na imprensa. Qual a sua avaliação desta declaração? 

O ministro Gilmar Mendes não tem estatura moral para avaliar a conduta de ninguém. Segundo, evidentemente, ele está incomodado com a perspectiva de chegar a ser investigado e, neste sentido, ele pode explicar porque tem esse receio. Receio tamanho que motivou a paralisação das apurações da Receita Federal e que, infelizmente, afastou os servidores que faziam esse trabalho, que é um trabalho comum de apurar as pessoas politicamente expostas com maior rigor do que se apura a situação fiscal de pessoas comuns. Então, a manifestação do ministro, nesse sentido, não causa nenhuma surpresa.

O senhor afirma que as tentativas de obstruição da CPI da Lava Toga fazem parte de um acordão vigente em Brasília. Que acordão é este? 

É muito claro o acordo firmado entre determinados ministros do Supremo, especialmente os ministros (Dias) Toffoli e Gilmar, o presidente da República e os presidentes dos Poderes (Rodrigo Maia, da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado). É muito claro, um acordo de proteção mútua, com ações concretas. Você tem a paralisação das investigações com base em uso de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que foi proferida em benefício da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Uma decisão teratológica, com efeitos em centenas de milhares de investigações pelo Brasil afora e que não foi mais apreciada. Passaram-se 60 dias (da decisão de Toffoli) sem que investigações desse tipo tivessem andamento. Estamos falando de homicidas, traficantes, corruptos, lavadores de dinheiro que estão imunes por força de uma decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli nos autos de uma causa que não tinha relação com a situação do hoje senador Flávio Bolsonaro. Então, é muito clara a troca de favores.

Críticos da CPI afirmam que ela interfere na harmonia entre os Poderes. O senhor concorda com isso? 

Tentam simular esse risco institucional, mas não existe esse risco. Vivemos em um país que teve dois impeachments, teve senadores presos, ministros de Estado presos, deputados federais presos, presidente da Câmara preso. A democracia continuou funcionando normalmente, e irá continuar funcionando, caso se consiga investigar e seja o caso de punição a algum ministro do Supremo. As pessoas se afeiçoam tanto ao poder que elas se confundem com o poder, e passam a achar que são a instituição.

Esta é a terceira tentativa de instalar a CPI de um dos temas mais controversos do Congresso. Por que a insistência? 

A gente insiste porque acreditamos que esta é uma pauta essencial para você ter a continuidade do combate à corrupção e a certeza de que, só assim, teremos uma democracia no Brasil, onde todos são tratados de forma igualitária. Enquanto houver uma casta privilegiada que não pode ser sequer investigada, sequer incomodada, não estaremos vivendo uma democracia de verdade. Esta é a raiz da minha atuação.

A CPI é uma espécie de Cruzada contra o Judiciário?

De forma alguma. O Judiciário tem um papel essencial. A imensa maioria dos magistrados, de ministros do STF, é de pessoas corretas. Existem situações pontuais, praticadas por pessoas específicas, que precisam ser apuradas. Como são apuradas quando acontecem com qualquer brasileiro. Ministros não deixam de ser brasileiros, sujeitos à aplicação da lei. Ninguém é contra o Judiciário. Pelo contrário, fazemos a defesa das instituições. Tentamos colaborar para que, aquelas pessoas que cometem atos irregulares, sejam expurgados dentro do processo legal.

Neste sentido, a CPI do Judiciário de 1999 serviu como inspiração para o senhor? 

Antes de qualquer coisa, a CPI de 1999 prova que é possível existir uma CPI do Judiciário. Claramente, o que vemos hoje é uma campanha de desinformação, especialmente neste último final de semana. Há uma mobilização de atores políticos na tentativa de disseminar a ideia de que a CPI da Lava Toga é inconstitucional, que não gera efeito e que paralisará a pauta econômica. É mentira. Nada disso irá acontecer. Já tivemos uma CPI desta natureza, e o mundo não acabou, nem teve repercussão nas finanças. Dou outro exemplo: há uma CPI, na Câmara, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), com resultados bastante interessantes. A pauta continua tramitando normalmente, a reforma da Previdência foi aprovada. Há uma tentativa de plantar o medo na cabeça das pessoas para fortalecer suas posições políticas e criar uma cortina de fumaça para esconder as suas fragilidades.

Que fragilidades são essas? 

O fato de que, nas urnas, prometeram uma coisa e, agora, na prática, estão entregando outra. As instituições de fiscalização e controle nunca estiveram sob um ataque tão forte quanto estão, hoje, no governo Bolsonaro.

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) defendeu a CPI Lava Toga, mas disse que acredita que o pedido de impeachment dos ministros do STF seria mais eficaz. Por que o senhor tem dado preferência para o requerimento de CPI? 

Também apresentamos pedidos de impeachment. Mas qual a diferença de uma CPI para um pedido de impeachment? A tramitação do pedido de impeachment depende exclusivamente do presidente da Casa (Davi Alcolumbre). É um ato solitário dele. A CPI, não. Se você cumpre os requerimentos, ele é obrigado a instalar. Estamos fazendo um esforço maior pela CPI porque ela defende das nossas forças e não da vontade solitária de um presidente de um Poder.

Na segunda tentativa, a CPI possuía as 27 assinaturas necessárias, mas o pedido foi arquivado por Alcolumbre. Se isto se repetir, o senhor pretende ir à Justiça? O STF irá analisar um requerimento sobre o pedido para investigar a própria Corte? 

Exato. A investigação não é da Corte, do Poder. É sobre atos praticados por pessoas específicas. Não podemos quebrar as regras democráticas. Vivemos em um sistema de freios e contrapesos. No caso específico do Supremo, o Senado tem esse poder de, seja previamente, na sabatina, seja a posteriori, quando pode processar um ministro, através do processo de impeachment. É muito claro esse desenho de equilíbrio democrático. Ele precisa ser executado. Temos mais de 40 pedidos de impeachment engavetados, sem nenhuma análise. Fazer isso funcionar é importante. O STF é indispensável para a democracia, mas não o ministro A ou o ministro B.

O senhor acredita que esse recurso tem chance de prosperar? 

A jurisprudência do STF no tocante à instalação de CPIs, quando os requisitos estão perfeitos, é no sentido de determinar a instalação. Davi Alcolumbre não é o primeiro presidente de Poder que enrola e cria dificuldades para a instalação de uma CPI. Isso infelizmente acontece muito no nosso cenário político, mas o Judiciário sempre tem se manifestado pela instalação. Então, a gente imagina que obteremos um resultado igual, ou alguém estará assinando uma nova confissão de culpa.

A tentativa de instalar a CPI, nos últimos dias, causou, inclusive, um racha no PSL, partido do presidente Bolsonaro. O senhor sofreu algum tipo de pressão? 

Diretamente não recebi nenhum tipo de pressão, mas os colegas senadores relatam que têm recebido ligações de pessoas diversas pedindo a retirada das assinaturas. Os casos mais notórios foram os da senadora Selma Arruda (PSL-MT) e do senador Major Olimpio (PSL-SP).

Como o senhor avalia a postura dos senadores do PSL que assinaram o requerimento mesmo contrariando a recomendação do presidente nacional do partido? 

As pessoas já entenderam que esta é uma pauta técnica, uma pauta de convicção, e que não adianta trabalhar com nenhum tipo de pressão ou constrangimento.

Senadores do PT não assinaram o requerimento, mesmo criticando excessos do Poder Judiciário. A que o senhor atribui isso? 

Fica muito clara a contradição entre discurso e prática. No momento, percebemos que PT e presidente Bolsonaro estão do mesmo lado: contra os mecanismos de investigação e a favor da leniência para corruptos.

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