Ciro, Doria, Huck, Leite? Não: nas redes sociais, só dá Bolsonaro e Lula
Análise de popularidade nas redes pode antecipar intenção de votos nas urnas, como aconteceu com Bolsonaro pré-2018. Mas falta força à "terceira via"
Um terço dos eleitores diz não querer Bolsonaro nem Lula em 2022. Se somados, nomes como João Doria, Ciro Gomes ou Luciano Huck poderiam ter intenções de votos suficientes para ir ao segundo turno. Mas, na prática, a fragmentada “terceira via” ainda faz pouco ou nenhum barulho em um dos principais termômetros da democracia moderna: as redes sociais.
Monitoramento da consultoria de análise de dados Bites obtido pela EXAME mostra que a liderança absoluta que Bolsonaro e Lula apresentam nas pesquisas se reflete também na internet.
Nem mesmo a primeira tentativa de união do grupo mais ao centro foi capaz de mudar o cenário. Na carta em defesa da democracia, que uniu seis presidenciáveis em 31 de março, o movimento de repercussão nas redes pode ser considerado quase irrelevante, diz André Eler, diretor adjunto da Bites e que acompanhou em todas as últimas eleições as movimentações de comportamento nas redes.
“Ainda que juntando seis candidatos, a carta foi um fracasso nas redes sociais”, diz. “Não chegaram a fazer cócegas na liderança de Bolsonaro ou Lula. É muito pouco o que esses nomes oferecem de repercussão.”
Na métrica batizada de “Tração”, criada pela Bites para medir a capacidade de repercussão e interações nas redes sociais, nenhum dos possíveis presidenciáveis da “terceira via” consegue ultrapassar de forma consistente o valor de 1 ou mesmo de 0,5 no índice.
Enquanto isso, Bolsonaro tem caído, mas ainda figura muito à frente dos demais, acima de 5 ou 6. Já Lula voltou a fazer barulho nas redes após ficar novamente elegível no começo de março, quando chegou a 5 em tração pela métrica da Bites e empatou com Bolsonaro. Foi a primeira vez que um possível candidato rivalizou com o presidente em repercussão nas redes desde o começo do mandato.
Desde esse pico, a tração do petista passou a novo patamar, e figura frequentemente por volta de 1 ou 2, bastante atrás de Bolsonaro, mas se firmando à frente do restante dos concorrentes. (veja no gráfico abaixo, que mostra a tração de alguns dos nomes que lideram na última pesquisa.)
O comportamento das redes, embora restrito a fatias específicas da população, pode dar mostras das tendências no campo eleitoral. É o que aconteceu com Bolsonaro em 2018, quando o presidente dominou as redes muito antes de dominar as pesquisas.
Na última pesquisa de intenção de votos EXAME/IDEIA, divulgada na sexta-feira, 23, Lula e Bolsonaro têm cerca de 30% dos votos cada. Atrás deles, aparecem uma infinidade de nomes em possíveis cenários de primeiro turno. Nesse pelotão, há pequena liderança para Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck (sem partido), João Doria (PSDB) e Sergio Moro (sem partido), todos com menos de 10% dos votos cada.
A principal dúvida para 2022 é se os eleitores se aglutinariam em torno de um único candidato de centro ou centro-direita caso alianças fossem formadas. A pouca repercussão nas conversas online mostra que, entre ter intenções de votos somados e conseguir de fato angariar essa mesma quantidade sozinho, há um abismo.
“Quando eles se juntam, não significa nas redes a soma das forças individuais de cada um. Então, na prática, não sabemos se os públicos deles realmente se somam numa eventual disputa eleitoral”, diz Eler.
Nem Huck, nem vacinas
Antes de Lula voltar ao páreo, nenhum candidato havia de fato ameaçado a liderança digital de Bolsonaro.
Mesmo em momentos de críticas ao presidente, como quanto ao manejo da pandemia, os adversários de centro não conseguiram transformar as derrotas do governo em vitórias políticas concretas para si.
O maior nome no meio digital, o apresentador Luciano Huck, chega a ter mais seguidores do que Bolsonaro (52 milhões nas principais redes, ante 39 milhões do presidente) e picos de tração que rivalizam com Lula. Mas esses ápices nas redes acontecem quando Huck fala sobre sua família ou seu programa de televisão, e não sobre política, diz Eler.
O mesmo vale para o também apresentador Danilo Gentili, que passou a figurar nas análises após notícias de que está sendo sondado por nomes como João Amoêdo, presidente do Novo. Gentili, como Huck, não conseguiu até agora engajar sua audiência falando de política. Já Amoêdo, nas últimas semanas, figura abaixo de 0,4 em tração, sem conseguir se aproximar de Lula ou Bolsonaro.
Antes um dos nomes mais cotados para 2022, o ex-juiz Sergio Moro quase desapareceu das discussões online desde que deixou o governo há um ano. Sua tração no índice da Bites é uma das menores, menos de 0,1 ao longo de 2021, atrás de nomes como os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB, frequentemente na casa do 0,4), ou da Bahia, Rui Costa (PT, perto de 0,3 em tração). Em análises qualitativas, as menções e interações com Moro ficaram também mais negativas, e o ex-juiz passou a ser visto como “traidor” por parte de sua antiga base.
Em situação parecida está João Doria (PSDB), que se elegeu sob o mote “Bolsodoria”, mas passou a antagonizar com o presidente em meio à pandemia. O momento com maior tração de Doria foi na semana entre 16 e 22 de janeiro, em meio ao início da vacinação com a Coronavac, quando o governador de São Paulo superou valor de 1 em tração, seu recorde neste ano.
Depois disso, não só seu engajamento cai para menos de 0,5 nas últimas semanas, como o tucano não consegue angariar muitos comentários positivos. O governador de São Paulo não atrai o apoio da esquerda e é linchado pela parcela da direita que é fiel ao bolsonarismo.
Mesmo com a repercussão gerada pela Coronavac, Doria tem, no geral, tração e número de seguidores similares aos de Ciro Gomes (PDT). “Fica claro o quanto ele naufraga nas redes a partir do momento em que começa a se contrapor ao Bolsonaro”, diz Eler, da Bites. “Apesar de vitórias políticas como a vacina, a análise qualitativa da imagem do Doria nas redes ainda é muito negativa.”
Outros nomes com quase nenhuma repercussão digital são Luiz Henrique Mandetta, Eduardo Leite e Marina Silva, que frequentemente chegam a ter menos de 0,1 ou 0,2 ponto em tração no índice da Bites.
A “ameaça Lula” ficou menor?
Enquanto o centro patina, as movimentações nas últimas semanas mostram como o ex-presidente Lula consolidou sua posição na internet e se descolou do pelotão de centro. E, desta vez, com sinais de que a rejeição a seu nome pode ser menor.
No passado, a polarização com o PT sempre funcionou bem para Bolsonaro nas redes. Em 2018, quando Lula ou o então candidato do PT, Fernando Haddad, começavam a crescer, Bolsonaro subia em tração diante da possibilidade de volta dos petistas ao poder, segundo as análises da Bites na ocasião.
Neste mês, esse movimento não ocorreu. A capacidade de Lula de movimentar as redes dobrou desde a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que o tornou novamente elegível. A alta foi de mais de 90% de interações por post (mesmo com os perfis do ex-presidente tendo também feito mais posts desde então). No total, o número de interações subiu mais de 200%, segundo o monitoramento da Bites.
No mesmo período, de cerca de 45 dias, Bolsonaro caiu por volta de 25% em interações por post.
“Por muito tempo, Lula perdeu relevância e ficou aquém da capacidade de mover as redes que o Bolsonaro tem. Isso ainda se verifica na prática, a gente vê que Bolsonaro ainda é o protagonista. Mas especificamente na semana da decisão do Fachin, Lula conseguiu empatar, e agora voltou ao radar”, diz Eler.
Na semana entre 6 e 12 de março, a mesma da decisão de Fachin, Lula teve ainda outros picos de atenção, como em 10 de março, quando discursou em São Bernardo do Campo (SP). Voltou a ser amplamente comentado nas redes dias depois, no dia 13, quando tomou a primeira dose da Coronavac e gravou vídeo incentivando a vacinação e o isolamento.
O “empate” digital entre Lula e Bolsonaro na semana em que o ex-presidente voltou ao jogo eleitoral não aconteceu só pela alta do petista, mas também pela queda de Bolsonaro, uma vez que a tração do presidente está menor do que no começo do mandato. “Quando Lula deixou a prisão [em 2019], por exemplo, teve um patamar até mais alto do que desta vez. Mas, naquela época, Bolsonaro tinha uma capacidade de repercussão muito maior, então era muito mais difícil alcançá-lo”, diz o diretor da Bites.
Bolsonaro, por exemplo, vem perdendo seguidores no Instagram de forma mais consistente desde meados de abril, algo que só havia acontecido momentaneamente durante a saída de Sergio Moro do governo – naquela ocasião, seu número de seguidores foi recuperado já no dia seguinte.
Popularidade em baixa
Os movimentos das redes sociais vão em linha com as pesquisas de opinião acerca do trabalho do presidente. Dados da última sondagem EXAME/IDEIA nesta semana mostram que o governo de Bolsonaro chegou a seu recorde de desaprovação, em 54%. O presidente também aparece pela primeira vez empatado ou perdendo na margem de erro para Lula no primeiro e no segundo turnos em 2022.
O petista foi o que mais cresceu nas pesquisas, indo de 18% no primeiro turno em meados de março a 30% nesta semana. Bolsonaro se mantém estável, caindo ligeiramente de 33% para 30% das intenções de voto no período.
“Em relação à mudança de posição entre Lula e Bolsonaro, podemos fazer uma relação com a fatura que chega para o governo, que atravessa o pior momento”, diz o pesquisador Maurício Moura, fundador do IDEIA, em relatório sobre os resultados da sondagem (veja na íntegra). Moura cita questões como a lentidão da vacinação, a situação econômica e a segunda leva do auxílio emergencial ainda não distribuída como fatores que impactam na avaliação de Bolsonaro.
Lula também apresentou crescimento expressivo em sua base digital neste ano, ganhando mais de 1 milhão de seguidores até sexta-feira, alta de 13%. Bolsonaro cresceu 2%, com pouco mais de 640.000 novos seguidores. No entanto, o presidente tem menor margem para aumentar sua rede, que é quase quatro vezes maior que a de Lula.
Entre os potenciais presidenciáveis, o único com queda foi João Amoêdo, que perdeu quase 100.000 seguidores desde janeiro (baixa de 2%). O que mais ganhou seguidores percentualmente foi Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, mas sua base ainda é pequena, com menos de 1 milhão de seguidores.
É possível, é claro, vencer eleições sem movimentar as redes sociais. Um dos maiores exemplos recentes aconteceu em São Paulo, quando o prefeito do PSDB, Bruno Covas, foi reeleito contra Guilherme Boulos. O candidato do PSOL tinha mais seguidores e mais engajamento, mas Covas venceu com facilidade no segundo turno.
Ainda assim, os números deixam claro que há pouco espaço até agora para construir uma candidatura de centro capaz de ir ao segundo turno. A “terceira via” não tem conseguido capitalizar as derrotas de Bolsonaro ou a rejeição a Lula. Precisará de muitos likes e retweets até chegar lá.