5 soluções ‘invisíveis’ que tornam cidades mais seguras

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Há coisas que estão na nossa frente, mas passam despercebidas. Essa é a matéria-prima do 99% Invisible (99% Invisível, na tradução literal), um podcast popular que nasceu em setembro de 2010 primeiro como um segmento de rádio transmitido por uma emissora pública local nos Estados Unidos.

Como seu próprio site explica, trata-se um programa “sobre todo o pensamento por trás das coisas que não pensamos: a arquitetura e o design praticamente invisíveis que moldam nosso mundo”.

Na última década, o projeto não parou de crescer e agregar sucessos: seus mais de 430 episódios já acumulam quase 500 milhões de downloads feitos por uma legião fiel de ouvintes em todo o mundo.

O jornal Chicago Tribune decreveu o 99% Invisible como “o melhor podcast que já existiu nos 20 anos de história do podcasting comercial”.

A qualidade da produção do programa tem muito a ver com isso. Mas o fascínio pelas coisas escondidas à vista de todos foi confirmado com o lançamento e o sucesso de vendas do livro The 99% Invisible City (sem tradução para o português), escrito pelo criador do programa, Roman Mars, juntamente com Kurt Kohlstedt, um dos seus principais colaboradores.

O livro “The 99% Invisible City” atingiu imediatamente as listas dos mais vendidos nos Estados Unidos

Lançado no ano passado por ocasião do 10º aniversário do podcast, este “guia de campo para o mundo oculto do design cotidiano” não demorou uma semana para entrar na lista dos mais vendidos do The New York Times, que em sua revisão sobre a obra celebrou sua capacidade de tornar visíveis “as maravilhas secretas” das cidades modernas.

Para entender melhor esse mundo de “soluções escondidas” que tornam as cidades mais confortáveis, atraentes e seguras, a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, pediu a Kohlstedt para escolher seus cinco exemplos favoritos. Isso poderá te ajudar a enxergar o que está ao seu redor de uma maneira completamente diferente.

1. Cisternas secretas

O primeiro dos exemplos selecionados por Kohlstedt vem de São Francisco, nos EUA, local onde nasceu o podcast 99% Invisível.

“Como sou uma pessoa que presta muita atenção ao que está ao redor, logo percebi grandes círculos de tijolos em algumas ruas da cidade”, conta.

Cisterna no cruzamento das ruas Mariposa e Missouri, na cidade de São Francisco, Estados Unidos

“Esses círculos eram muito grandes, da largura da rua. Por um lado, eles eram bastante notáveis. Mas, por outro, também bastante fáceis de ignorar no meio do trânsito e do caos, como tantas outras coisas que estão na nossa frente”, raciocina.

Uma rápida investigação fez com que ele descobrisse que essas estruturas eram cisternas, que servem para que os bombeiros da cidade identifiquem rapidamente os gigantescos reservatórios de água subterrâneos que começaram a ser instalados em São Francisco após o grande incêndio que acometeu a cidade em 1906.

 

“Os tijolos basicamente demarcam o contorno do tanque. No centro, está o que parece uma tampa de bueiro, mas na verdade é o acesso à cisterna, que os bombeiros podem levantar para utilizar a água que fica embaixo da cidade”, explica Kohlstedt.

No total, os 175 tanques desse sistema armazenam 11 milhões de litros de água, garantindo a disponibilidade do socorro rápido em caso de emergência.

Os círculos de tijolos são visíveis até em imagens de satélite

“Eles estão por todos os lados e, embora a única coisa que os denuncie sejam aqueles círculos de tijolos, eles desempenham um papel vital na proteção contra futuros incêndios”, aponta.

Segundo o produtor do podcast, existem estruturas semelhantes em outras cidades, que entenderam que não é bom depender de um sistema centralizado contra o fogo. O exemplo mais óbvio disso são as torres de água que podem ser vistas em cidades como Nova York .

“Mas nunca vi um lugar que tivesse essa mesma marca de São Francisco”, diz ele.

2. Calçadas táteis

O segundo exemplo de Kohlstedt não está incluído no livro, mas foi abordado em uma das edições do programa.

E elas sinalizam como algumas “soluções invisíveis” são mais perceptíveis quando não estão funcionando.

O produtor se refere às marcas táteis que, em muitas cidades do mundo, são vistas na divisão entre a calçada e a rua.

A textura desta calçada sinaliza aos deficientes visuais que eles estão prestes a atravessar uma rua

Essa mudança pode passar despercebida para a maioria dos pedestres, mas é extremamente valiosa para os deficientes, que podem detectá-las com a ponta das bengalas ou com os próprios pés.

Esse tipo de piso também facilita a vida das pessoas que andam olhando para o celular, sem perceber o que acontece ao redor.

“Algumas das versões mais sofisticadas desse revestimento também podem dizer a direção em que o tráfego está vindo”, diz Kohlstedt sobre esse tipo de calçamento originalmente desenvolvido no Japão por Seiichi Miyake.

“É uma coisa muito pequena que, no entanto, torna as cidades muito mais acessíveis”, destaca.

Kohlstedt, porém, ficou mais interessado no assunto quando um dos ouvintes do 99% Invisible compartilhou um caso de calçada tátil mal utilizada.

“Como as marcações podem dizer onde fica o meio-fio ou de qual direção vêm os carros, se elas são instaladas incorretamente, podem ser muito, mas muito perigosas”, explica.

“Encontramos muitos exemplos disso, especialmente na China, onde esses pisos foram instalados de forma errada ou foram usados apenas para fins decorativos”, diz ele.

Porém, de certa maneira, esses tipos de problemas também dão alguma visibilidade às soluções ocultas.

“Um bom projeto urbano muitas vezes passa despercebido. Mas quando ele é mal feito, fica mais aparente, já que não funciona como deveria”, diz Kohldstedt.

“E, no caso dessas calçadas táteis, elas ficam visíveis quando estão onde não deveriam. Quando são instaladas na esquina onde deveriam realmente estar, ninguém percebe”, completa.

3. Grafite oficial

Mais do que invisíveis, essas marcas no chão e na parede são incompreensíveis para a maioria das pessoas. Você já deve ter reparado em inscrições, círculos e setas coloridas que de repente aparecem nas ruas e nas calçadas, muitas vezes próximos de uma escavação, de bueiros ou de caixinhas de energia, gás e outros serviços.

Esses grafites multicoloridos muitas vezes sobrevivem à escavação por um tempo — e ninguém sabe ao certo o que eles indicam e se servem para informar a localização de tubos e cabos subterrâneos.

Muitas das marcas sobrevivem por mais tempo que os trabalho das equipes que entendem o significado delas

“Esse é um dos meus exemplos favoritos daquelas coisas que você não percebe até que começa a notar”, disse Kohlstedt à BBC News Mundo.

“É uma inovação relativamente recente, que começou a se popularizar há cerca de 50 anos e foi projetada para dizer aos funcionários das concessionárias e outros trabalhadores da construção civil exatamente o que passa sob a rua”, explica ele.

 

“As cores dizem algo, a anotação diz algo. É um sistema de informação extremamente rico e, embora seja uma linguagem para especialistas, todos podem aprender a lê-la”, acrescenta.

Por exemplo, nos EUA — onde o sistema se tornou popular depois que um trabalhador causou uma explosão gigantesca em 1976 ao perfurar acidentalmente um ducto de petróleo que passava por baixo de uma rua de Los Angeles — as marcas vermelhas são para cabos elétricos, o laranja é para gás ou outros materiais combustíveis e o azul designa canos de água potável.

O azul geralmente é usado para identificar canos de água potável

Esse “idioma”, no entanto, varia de acordo com o país e a cidade. No Reino Unido, os cabos de telecomunicações são marcados em verde, cor usada nos EUA para designar drenos e canais de esgoto.

O importante, porém, é que essas marcas simples feitas com um pouco de tinta reduzem significativamente a chance de erros e acidentes, o que deixa nossas cidades mais seguras — além de adicionar um pouco de cor a elas.

4. Postes à prova de acidentes

Há um capítulo no livro de Kohlstedt que fala sobre “fracasso planejado”.

Nas páginas, ele explica que os postes que sustentam sinais de trânsito, semáforos ou cabos de serviços essenciais devem ser resistentes o suficiente para resistir a ventos, tempestades, tsunamis e terremotos.

“Mas, muito ocasionalmente, esses mesmos postes devem ser capazes de fazer algo crucial: eles precisam quebrar facilmente com o impacto”, explicam Mars e Kohlstedt.

Um bom sinal de trânsito deve “saber quebrar”

Quando esses materiais são atingidos por um carro em movimento, eles se envergam e quebram, de forma a reduzir os danos e salvar vidas.

Essa “destruição planejada” acontece a uma certa altura do poste, de modo que a parte inferior passe sob o veículo enquanto a parte superior voe, sem ferir as vítimas do acidente.

“Eles são projetados para reduzir os danos aos veículos e para proteger pedestres, passageiros e motoristas”, explica Kohlstedt.

“Os postes estão integrados de tal forma à cidade que passamos por eles há tantos anos e nunca imaginamos qual é a sua verdadeira função. Isso só acontece, é claro, se alguém esbarra em um durante um acidente”, observa.

5. Redutores de velocidade inteligentes

O último exemplo lembrado por Kohlstedt é uma versão particular de um dispositivo encontrado nas ruas de todo o mundo: os redutores de velocidade, também conhecidos popularmente como lombadas.

Esta versão específica, no entanto, se assemelha mais a grandes “almofadas” colocadas uma ao lado da outra em cada uma das faixas da rua.

Redutores de velocidade instalados nas ruas de Londres

“O conceito aqui é brilhante e direto”, diz Kohlstedt.

Basicamente, ambulâncias e veículos de emergência têm um eixo mais largo do que os carros normais.

“Portanto, é possível criar redutores que obrigam carro de passeio a frear, mas que uma ambulância consegue cruzar sem ter que diminuir sua velocidade”, completa.

Como Kohlstedt aponta, esse é um exemplo de uma modificação engenhosa em uma tecnologia já existente há anos.

“E é uma daquelas coisas que, depois de entender o racional por trás, você começa a notar em todos os lugares”, destaca.

Um redutor para carros, mas não para ambulâncias.

Essa lógica também é o que explica o grande sucesso do 99% Invisible nas versões podcast e livro.

A iniciativa passou a última década ajudando a descobrir de uma forma extremamente útil e agradável esse maravilhoso mundo oculto que temos ao nosso alcance.

E também pode servir de inspiração para os interessados ​​em transformar as cidades de todo o mundo em espaços mais confortáveis, seguros e atraentes.

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