Dólar tem maior queda desde 2018 com ajuda externa e sinal do BC sobre juro
Moeda à vista cai 3,32%, para 5,3208 reais na venda, no mesmo dia em que diretor do BC afirma que Selic de 2% ao ano não é para situações normais no país
Um forte movimento de realização de lucros ditado pelo mercado externo levou o dólar à maior queda em dois anos e meio nesta terça-feira, 12. A moeda devolveu em apenas um dia mais da metade do ganho acumulado nas primeiras sessões de 2021, também sob influência de comentários de um diretor do Banco Central sobre a taxa de juros.
O dólar à vista caiu 3,32%, para 5,3208 reais na venda, na maior baixa percentual diária desde 8 de junho de 2018 (-5,59%). Ao longo da jornada, a cotação oscilou entre 5,4948 reais (-0,15%) e 5,3192 reais (-3,35%).
O real liderou, com folga, os ganhos entre as principais moedas globais, depois de encabeçar as perdas nas últimas sessões. A moeda brasileira era seguida no dia pelo rublo russo (+1,9%), o rand sul-africano (+1,8%) e o peso mexicano (+1,3%). São divisas de risco e que, portanto, se beneficiam de expectativas de crescimento econômico.
Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, considerou que a maior parte da baixa do dólar na sessão veio do exterior, onde a moeda caía de forma generalizada depois de um rali nos primeiros dias do ano. “Existe a perspectiva de mais estímulo global e isso é positivo para mercados e ativos emergentes, como o real”, disse.
Na véspera, o dólar havia saltado 1,60%, para 5,5033 reais na venda, maior nível desde 5 de novembro de 2020 (5,5455 reais). A moeda subia 6,01% no ano até segunda-feira, valorização reduzida a 2,49% aos preços desta terça.
O tombo do dólar se deu ainda em meio a declarações do diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra.
Em live, o diretor afirmou que os juros de 2% não são para situações normais no Brasil e que é natural imaginar que o “estímulo extraordinário” que o BC está concedendo à economia via política monetária será retirado de cena em algum momento.
Os comentários vieram no dia em que o IBGE divulgou que a inflação ao consumidor medida pelo IPCA ficou em 4,52% no acumulado de 2020. Foi a maior taxa em quatro anos, ficando acima do centro da meta oficial de 4%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Uma das discussões no mercado é se o Banco Central poderá ser forçado a antecipar o processo de normalização da política monetária, cujo início está previsto atualmente para agosto, com base em estimativas compiladas pela pesquisa Focus.
Analistas e economistas avaliam que parte da pressão sobre o real desde o ano passado decorre do baixo nível de juros, com a Selic na mínima histórica de 2% ao ano, o que deixa a moeda brasileira como opção barata para hedge ou mesmo como fonte de financiamento. A taxa desestimula a entrada de capital externo para buscar ganhos com a arbitragem dos juros.
O próprio diretor Bruno Serra colocou a redução do diferencial de taxas como fator a explicar o patamar atual do dólar, além de incerteza fiscal, mudança nas regras de tributação de hedge — o chamado overhedge, em 2020 — e redução da dívida em dólar por parte de algumas empresas.
“Considero que o BC deveria iniciar o processo de normalização monetária em março ou maio, o que deve aliviar, caso não ocorram mais surpresas fiscais negativas, as pressões no câmbio, na inclinação da curva de juros e no gerenciamento da dívida pública”, comentou no Twitter Sergio Goldenstein, consultor independente e estrategista na Omninvest Independent Insights e ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central.
“O problema com o real continua. Apesar da elevação recente dos preços das commodities e da melhoria dos termos de troca (vide preço do minério), o desempenho absoluto e relativo continua ruim”, acrescentou Goldenstein.
O Barclays espera que o BC comece a elevar os juros em agosto, com a Selic fechando o ano em 3,75%, ante os atuais 2% ao ano. Mas o banco britânico entende que os números de inflação divulgados mais cedo podem levantar questionamentos sobre a manutenção na reunião da próxima semana do forward guidance — o mecanismo de orientação futura, segundo o qual não pretende reduzir o grau de estímulo monetário enquanto determinadas condições sejam satisfeitas.
O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne nos dias 19 e 20 de janeiro para decidir sobre o rumo da Selic, na primeira reunião de 2021.