Relator propõe usar recursos de fundos públicos fora de teto de gastos e cria ruído com equipe econômica
BRASÍLIA – Uma versão preliminar da proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza medidas de ajuste fiscal causou ruído entre governo e Congresso, ao prever que o uso de receitas desvinculadas de fundos públicos fiquem temporariamente fora do teto de gastos.
O texto, ao qual o GLOBO teve acesso, abre caminho para que o dinheiro acumulado nesses fundos seja usado em gastos como programas sociais contra a pobreza e a revitalização da Bacia Hidrográfica de São Francisco. As despesas seriam excluídas da trava fiscal por um ano.
As primeiras informações sobre a medida, divulgadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, foram mal recebidas pelo mercado financeiro, ao indicar uma flexibilização da regra que impede que gastos públicos cresçam mais que a inflação registrada no ano anterior.
O Ministério da Economia divulgou nota em que “esclarece que é contra qualquer proposta que trate da flexibilização do teto de gastos, mesmo que temporária”.
Texto replicado
O relatório da PEC foi preparado nesta segunda-feira pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC) e combina trechos de três projetos enviados pelo governo em novembro passado para frear o crescimento das despesas públicas.
Um dos artigos tem como origem a chamada PEC dos Fundos, que extingue fundos públicos e destina esses recursos parados para despesas específicas.
A exceção ao teto já constava de uma versão anterior desse projeto, apresentada em fevereiro pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), que nunca avançou no Congresso e agora foi absorvida pela proposta única organizada por Bittar.
Fontes que participam da elaboração da proposta já admitiam que, com a repercussão negativa, o texto deve ser modificado já nas próximas horas.
A manutenção desse dispositivo, no entanto, causou mal-estar na equipe econômica, em um momento em que há dúvidas sobre a sustentabilidade das regras fiscais do país após os gastos emergenciais autorizados para combater a pandemia de Covid-19.
Se for levada à frente, a proposta abriria um caminho para que essa manobra financiasse um novo programa social para substituir o Bolsa Família, já que o texto cita ações contra a erradicação da pobreza entre os itens que podem ser financiados com os recursos dos fundos.
Se a exceção ao teto for mesmo retirada do texto final, os fundos ainda poderão ser usados para financiar um novo benefício, mas só até o limite do teto de gastos, como todas as outras despesas do governo.
Esse não é o primeiro atrito causado por uma versão do relatório de Bittar para a PEC emergencial. Em setembro, outra versão do texto propôs adiar o pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — para financiar o programa social.