Bitcoin e criptografia são entendidas como complacência criminosa pela Polícia Federal
A criptografia é um ponto em comum para diversos envolvidos em uma investigação da Polícia Federal que corre em sigilo. Algumas informações, no entanto, foram compartilhadas com o Cointimes em relação a um entendimento duvidoso em relação ao Bitcoin e softwares de criptografia.
Segundo os dados obtidos, uma empresa não identificada comercializa celulares com foco em privacidade, incentivando o uso de bitcoin para a compra de produtos em sua loja, mas toda essa proteção à privacidade e segurança foram chamadas de “pretexto” pela Polícia Federal.
O entendimento de que os produtos e meios de pagamento que envolvem criptografia auxiliam criminosos a cometer ilícitos pode levar a punição indireta do vendedor.
“Tenta-se responsabilizar o vendedor por lavagem de dinheiro. O raciocínio é o seguinte: se uma pessoa vende software de criptografia, sabe, ou ao menos suspeita seriamente, que o faz para criminosos. Assim, assume o risco de produzir o resultado.”, disse a fonte que preferiu não se identificar.
A busca por privacidade e segurança no ambiente digital é completamente legítima, e a comercialização de hardwares ou softwares com criptografia são legais no Brasil. Dessa forma, é preocupante que a Polícia Federal esteja supostamente identificando essa atuação como “complacência criminosa”.
Tentamos entrar em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Federal, mas até agora não obtivemos resposta.
Privacidade é um direito humano
A criptografia, capaz de prover segurança e privacidade para as suas informações, têm um longo histórico de perseguição por parte de governos. Apesar dos Estados já terem utilizado bastante esse tipo de tecnologia, o governo americano já chegou a considerar a criptografia uma arma de guerra.
Hoje, a criptografia faz parte da proteção de um dos direitos humanos mais básicos, a privacidade. Aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram possuem criptografia ponta a ponta para que somente os envolvidos tenham acesso às mensagens.
Recentemente, o economista Fernando Ulrich tocou nesse ponto em um vídeo, dizendo que “se imaginarmos a privacidade nas nossas vidas, no nosso WhatsApp, nos nossos emails, ninguém gostaria de que governo nenhum ou qualquer agência governamental tivesse acesso a todas as nossas conversas pessoais”. Mas mesmo assim, ele afirmou que algumas pessoas chegam ao absurdo de defender o fim desse direito “em nome do bem comum”.
Nos Estados Unidos, a conversa sobre criminalizar a criptografia está ganhando força no Congresso, com uma lei anti-criptografia sendo avaliada.
“Terroristas e criminosos usam rotineiramente a tecnologia, sejam smartphones, aplicativos ou outros meios, para coordenar e comunicar suas atividades diárias”, disse o senador Graham.
A União Europeia e China estão seguindo o mesmo caminho, falando inclusive em “combate ao abuso sexual infantil e exploração”, supostamente como “pretexto” para acabar com o direito a privacidade dos cidadãos.
Problemas em banir a privacidade e o Bitcoin
Contudo, há diversos problemas em banir a criptografia e as criptomoedas como o bitcoin. Primeiramente, ela é de extrema importância para garantir os direitos democráticos de jornalistas e ativistas que trabalham para desmascarar grandes esquemas de corrupção e abusos do governo.
Um exemplo é o jornalista Julian Assange, que revelou torturas brutais e assassinatos sem explicação de civis pelo mais poderoso exército do planeta. Sem criptografia e privacidade, Assange teria sido preso antes mesmo de revelar esses sérios problemas.
O mesmo aconteceu com Edward Snowden, especialista em inteligência pela NSA que vazou dados sobre violações de privacidade do governo norte-americano. E mesmo que você não tenha nada a esconder da polícia ou do governo, Snowden argumenta que a invasão de privacidade pelo governo deve ser justificada:
“Argumentar que você não se importa com o direito à privacidade porque não tem nada a esconder não é diferente do que dizer que não se importa com a liberdade de expressão porque não tem nada a dizer.
Quando você diz, ‘Eu não tenho nada a esconder, não me importo com esse direito’, você está dizendo que chegou ao ponto de ter que justificar o direito. Mas do jeito que direitos funcionam, é o governo quem deve justificar a intrusão dos seus direitos.”