Witzel usa operação contra sequestrador para justificar ações indiscriminadas em favelas

Ação policial que terminou com a morte de sequestrador de ônibus é considerada exemplar. Governador faz gestos de comemoração e compara episódio com ações que não raro terminam em chacinas

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Os tiros que mataram o sequestrador de um ônibus urbano às 9h04 da manhã desta terça-feira na ponte Rio-Niterói foram o desfecho de uma atuação policial considerada exemplar por especialistas e até mesmo por opositores de Wilson Witzel. O governador do Rio de Janeiro desembarcou momentos depois no local, onde William Augusto da Silva mantivera como reféns 39 passageiros desde às 5h25 da manhã. Correu e levantou os braços com os punhos cerrados, celebrando. Sua performance foi condenada pelas mesmas vozes que elogiaram o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da PM na ação. Eleito prometendo empregar snipers para atirar “na cabecinha” de criminosos armados, o governador aproveitou a situação para reafirmar seu compromisso e defender uma política de segurança fortemente criticada por se basear, fundamentalmente, em diárias operações policiais em favelas que levam o pânico a moradores e que muitas vezes terminam em mortes e chacinas — inclusive de jovens inocentes.

Nesta terça, o objetivo declarado da polícia era o de também preservar vida do sequestrador, o que acabou não acontecendo. Ainda assim, as 39 vidas dos reféns foram salvas, fazendo com que as pessoas que assistiam tudo de perto se sentissem aliviadas com o desfecho. “Hoje, graças a Deus, não houve erro. A polícia agiu corretamente”, disse Witzel. Os tiros na ponte Rio-Niterói foram certeiros, mas a quilômetros dali, na Cidade de Deus, um helicóptero da polícia sobrevoava mais uma vez as casas da comunidade e lançava o que parecia ser um artefato explosivo, conforme se vê em vídeo divulgado pelo coletivo Papo Reto nas redes sociais nesta tarde.

A justaposição das duas cenas são emblemáticas do Rio sob o comando do Witzel. O governador assumiu o cargo em janeiro e acumula desgastes cada vez que as polícias Civil e Militar sob seu comando matam de forma injustificada e batem novos recordes de “auto de resistência”, ou mortes tidas como em confronto. “O governador se dirigiu até a cena do sequestro para resgatar um capital político perdido com as mortes dos seis jovens na semana passada. Ele foi reforçar sua imagem de garoto de propaganda e ventrículo de operações policiais e tentar reduzir o dano de suas falas anteriores, que não estão pegando bem”, analisa a antropóloga e cientista política Jaqueline Muniz, especialista em segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF). O Instituto de Segurança Pública, autarquia do Governo, registrou 881 mortes cometidas por agentes do Estado entre janeiro e junho deste ano, 29% do total de letalidades violentas. Essa taxa é maior na capital fluminense, onde 38% de todas as mortes violentas foram causadas por ação policial, conforme destaca a Rede de Observatórios da Segurança em seu último relatório. Nos dados não constam as mortes cometidas por milicianos ou policiais matadores que agem nas sombras.

“Ficar refém de saldo operacional é muito triste. Um dia você assina todas as mortes que desagradam a população, hoje você assina uma morte que considera inevitável e amanhã poderá ter um saldo que não necessariamente será satisfatório”, segue Muniz. Pablo Nunes, cientista político e coordenador da Rede de Observatórios, também vê com preocupação o uso político da ação policial desta terça. “Temos uma população acuada e com medo da violência. Respostas duras e bravatas fazem crer que o problema da segurança pública é muito fácil de resolver, ‘é só matar todo mundo’. A população quer respostas, mas a gente sabe que não é assim”, explica. “Ele já está em campanha eleitoral. Tudo isso foi usado nas ultimas eleições e continuará sendo utilizado”, acrescenta Nunes, em referência ao desejo já expresso do governador de suceder Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Dessa vez, porém, a atitude efusiva do governador não foi bem vista por setores da sociedade e suscitou uma onda de repúdios. Às 18h desta terça, a expressão “sociopata”, usada para descrevê-lo, ainda era um dos assuntos mais comentados no Twitter. Em coletiva de imprensa, Witzel negou que estivesse comemorando a morte de Willian. Disse estar celebrando as vidas que foram salvas. Também garantiu que a Secretaria de Vitimização está à disposição tanto dos reféns quanto dos familiares do sequestrador, que sofria de depressão. O governador também gravou um vídeo junto com as vítimas em que afirma: “Infelizmente a sociedade tem pessoas que têm um desequilíbrio, não têm amor em si, não têm fé em Deus. O que a gente quer não é pregar a violência. Jamais faço isso. Peço sempre em todas as igrejas que vou que a gente possa realmente colocar Deus na vida dessas pessoas”.

As críticas ao governador também partiram da oposição. “Como toda a população, acredito que a preservação da vida dos reféns é fundamental. O ideal, no entanto, seria que não houvesse mortes”, afirmou a deputada estadual Renata Souza (PSOL), que presidente a comissão de Direitos Humanos da Assembleia estadual. “Qualquer tipo de celebração é uma postura inaceitável. Não comemoraremos nenhuma tragédia”, acrescentou. Por sua vez, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) ressaltou que “a polícia agiu de acordo com o que prevê a lei e de forma técnica”, uma vez que “a legislação autoriza esse tipo de ação em situações críticas, em que há risco iminente à integridade de terceiros”. E acrescentou: “Wilson Witzel acertou ao entrar em contato com a família de Willian. Porém sua comemoração, ao chegar no local do sequestro, não contribui em nada para melhorar a segurança pública. Equilíbrio e serenidade são atributos essenciais para governar um lugar como o Rio de Janeiro”.

As críticas ao governador também partiram da oposição. “Como toda a população, acredito que a preservação da vida dos reféns é fundamental. O ideal, no entanto, seria que não houvesse mortes”, afirmou a deputada estadual Renata Souza (PSOL), que presidente a comissão de Direitos Humanos da Assembleia estadual. “Qualquer tipo de celebração é uma postura inaceitável. Não comemoraremos nenhuma tragédia”, acrescentou. Por sua vez, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) ressaltou que “a polícia agiu de acordo com o que prevê a lei e de forma técnica”, uma vez que “a legislação autoriza esse tipo de ação em situações críticas, em que há risco iminente à integridade de terceiros”. E acrescentou: “Wilson Witzel acertou ao entrar em contato com a família de Willian. Porém sua comemoração, ao chegar no local do sequestro, não contribui em nada para melhorar a segurança pública. Equilíbrio e serenidade são atributos essenciais para governar um lugar como o Rio de Janeiro”.

Uso de snipers em favelas
Witzel também aproveitou o episódio para reafirmar seu compromisso em empregar atiradores de elite, como os que atuaram durante o sequestro, para executar criminosos que “desfilam de fuzil” em comunidades. “Se hoje esse [o sequestrador] foi abatido, porque os que estão de fuzil não podem ser abatidos?”, questionou. Ele até reconheceu que o cenário de um sequestro, em que um sniper atua a partir de determinados protocolos, é diferente de operações policiais nas comunidades — muitas vezes com agentes em helicópteros atirando a esmo em direção ao chão enquanto crianças uniformizadas correm desesperadas. Ainda assim, afirmou que sua política de “abate” é a mesma: “Se não houvesse a imediata atuação dos atiradores de elite, teríamos que chorar sobre o caixão de várias vítimas queimadas. Onde estão morrendo as pessoas?”.

De acordo com o relatório da Rede de Observatórios, as operações policiais aumentaram 42% no primeiro semestre deste ano, se comparado com o mesmo período de 2018. As operações com tiros disparados de helicópteros subiram de 11 para 34. Já o número de mortos em operações policiais aumentou 46%. Assim, a professora Jaqueline Muniz enxerga “forçação de barra”, “insanidade”, “ignorância”, “oportunismo” ou “ingenuidade” na comparação feita pelo governador entre as duas situações. “Usar um helicóptero como plataforma de tiro é, por natureza, equivocado. Tudo o que possa corrigir a curva da bala a aeronave retira, por mais preciso que seja o atirador. Ele não vai ter êxito porque o alvo está em movimento em um cenário irregular”, explica. “Você faz tiros de supressão em matas ou em cenários abertos nos quais a população civil não está envolvida. Transportar isso para uma ação urbana é de uma infelicidade e insuficiência tática atroz”.

O ex-juiz federal também assegurou que vai consultar o Supremo Tribunal Federal sobre em que possibilidades os policiais podem matar suspeitos de cometer um crime. “Há uma dúvida interpretativa de alguns juristas sobre o momento em que se pode fazer a neutralização de uma pessoa com uma arma de guerra”, ponderou. Muniz mais uma vez rebate suas afirmações. Por ter sido magistrado, acredita que Witzel “explora um limbo normativo legal que ele tem pleno conhecimento que existe, seja no âmbito federal ou estadual”. Ela se refere aos procedimentos operacionais da polícia, que precisam ter validade legal e serem legítimos. “Mas muitos não são escritos e públicos, algo que compromete a distinção entre uma ação policial e o amadorismo. É nessa zona cinzenta que ele fala, porque sabe que não será responsabilizado criminalmente por ela”, afirma. “Witzel precisa dar estabilidade ao processo decisório policial e parar de se confundir com o policial. Quem gosta de polícia aposta na profissionalização. Quem não gosta e fica usando como palanque eleitoral, aposta no corporativismo para enganar os policiais”, critica.

Um avaliação da operação
Sobre a operação policial em si, Jaqueline Muniz avalia que foi “taticamente adequada”, tendo em vista o alto risco e a imprevisibilidade. Em situações com essa, tendem a avançar com o passar do tempo. Os policiais devem então buscar reverter um “conjunto de desvantagens” e aproveitar “janelas de oportunidade”, ao mesmo tempo em que buscam salvar todas as vidas, explica. Se o sniper tem uma chance, continua ela, precisa tomar uma decisão em frações de segundo. Mas não deve esperar outro momento e pagar para ver. “Essa expertise não tem a ver com o governo atual, mas com uma experiência acumulada pelo BOPE desde o trauma do sequestro do ônibus 174”, argumenta. Naquela ação, em 2000, uma refém acabou morta e o sequestrador foi asfixiado até falecer quando já estava detido.

Uma variável que acrescentava ainda mais imprevisibilidade era o estado de surto psicótico de William Augusto da Silva, segundo confirmou o tenente-coronel Maurílio Nunes, comandante do BOPE e responsável pela operação. A Polícia Civil também afirmou que ele não possuía antecedentes criminais. O governador preferiu, mesmo assim, se basear em suas próprias convicções ao relacionar o sequestrador com organizações criminosas. “Vamos investigar, mas tenho na minha convicção de que esse fato que ocorreu hoje tem vinculação com o crime organizado, que estimula esse tipo de ação terrorista. Nós temos que tomar as providências imediatas para fazer cessar essas atividades criminosas”, afirmou. Ele ainda se irritou ao ser questionado por jornalistas. “É minha convicção, meu entendimento como estudioso. Vocês ouvem um monte de especialistas e esquecem que também sou especialista. Sou estudioso do direito penal há mais de 20 anos. A minha convicção é de que essas facções estimulam atos terroristas, senão direta, indiretamente”.

Para Muniz, a polícia deve agora demonstrar como produziu o resultado desta terça e apresentar os detalhes da operação. Sabe-se, até o momento, que o corpo de William sofreu seis perfurações, mas o BOPE não informou quantos tiros foram dados. Um sniper é treinado para disparar só uma vez contra seu alvo. E acertá-lo. “Ele agiu de forma oportuna e com juízo tático adequado. Agora precisamos avaliar se a polícia agiu também de forma apropriada e como pode se aperfeiçoar para que não haja nenhuma baixa da próxima vez”. Isso não significa, lembra ela, ser contra a repressão, algo inerente à atividade policial, ou desejar que a corporação seja fraca. “O que se cobra é que tenha qualidade decisória e foco. É isso o que faz com que a polícia não seja um bando armado a mais”.

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Fonte elpais
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