“Comentários como esse criam o estigma da solidão da mulher trans”, diz Bruna Andrade sobre piada transfóbica de Marília Mendonça
A modelo e influenciadora @bru__andrade fez um relato à Glamour sobre como o comentário da cantora sertaneja Marília Mendonça reflete a transfobia da sociedade em que vivemos
“Eu tenho uma relação muito forte com o sertanejo, porque nasci em Goiás. Quando eu me mudei para São Paulo, isso ficou ainda mais potencializado já que me faz lembrar das minhas raízes. E é aí que entra a Marília Mendonça na minha vida. Eu sempre fui muito fã dela. Inclusive, no último sábado, já estava na contagem regressiva para a live dela. É um momento que adoro, canto junto e me divirto.
Até que, durante a apresentação, chegou uma hora que ela começou a contar uma história sobre um amigo dela em uma boate de Goiás, e tanto ela quanto os músicos começaram a rir. A boate em questão era uma voltada para o público LGBTQIA+, que eu frequentava. Achei que as risadas tinham um tom de deboche e aquilo logo me remeteu a lembranças ruins. Toda essa sensação acontece em uma pequena fração de segundos. Até que ela falou: ‘Lá foi o lugar que ele beijou a mulher mais bonita da vida dele’ e um dos músicos logo respondeu: ‘Mas será que era mulher mesmo?’ – e as risadas aumentaram.
Eu entendi, então, do que se tratava. Eles estavam tirando sarro de um amigo que, possivelmente, tinha ficado com uma menina trans. Aquilo me doeu muito. Era como se eles estivessem rindo de mim. Ver uma mulher que eu gosto tanto, que eu sou tão fã, replicar esse tipo de comentário, que ofende e machuca, me deixou muito chateada.
“Na visão deles, nós não somos dignas de receber afeto ou carinho. No Brasil, mulheres trans só servem para a prostituição ou para serem motivos de risada.”
E eu entendo o lugar de onde vem essa piada, e é de um lugar que traz muito sofrimento. É sempre cômico um homem hétero cis se interessar por uma mulher trans. Na visão deles, nós não somos dignas de receber afeto ou carinho. No Brasil, mulheres trans só servem para a prostituição ou para serem motivo de risada.
As pessoas ridicularizam tanto a nossa existência que se a gente morrer é indiferente. Não à toa, somos o país que mais mata tansgêneros no mundo. Esses comentários criam o estigma da solidão da mulher trans. Eu sofro com isso todos os dias. Não me relaciono com ninguém, porque ninguém quer andar de mãos dadas comigo na rua para não virar “piada” depois na roda de amigos.
Isso desumaniza a gente. Espero que essa repercussão faça as pessoas pensarem no quanto isso mata mulheres trans. Seria engraçado se Marília estivesse falando “meu amigo ficou com uma mulher negra” ou “meu amigo ficou com uma mulher gorda”?
“Não me relaciono com ninguém, porque ninguém quer andar de mãos dadas comigo na rua para não virar “piada” depois na roda de amigos.”
Não acho que temos que cancelar ninguém. Sou totalmente contra a cultura do cancelamento, mas os erros estão aí para serem refletidos e não existirem mais. Com a gente sempre é piada, nunca é orgulho. Isso tem que mudar!”
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No vídeo eu mostro um exemplo claro de como a transfobia é naturalizada na nossa sociedade.
*Após a repercussão do caso de transfobia ao vivo, Marília Mendonça usou o seu perfil no Twitter para se pronunciar a respeito: “Pessoal, aceito que fui errada e que preciso melhorar. mil perdões. de todo o coração. aprenderei com meus erros. não me justificarei”.