Minas vai pagar o dobro por terreno onde Aécio construiu aeródromo
Doze anos depois, processo de indenização do Aeroporto de Cláudio está perto de desfecho e Estado terá que pagar não R$ 1 mi, mas R$ 2,1 milhões
O Governo de Minas Gerais terá que desembolsar pelo menos R$ 2,1 milhões, o dobro do valor previsto inicialmente, para pagar uma indenização pela desapropriação do terreno onde foi construído o aeródromo do município de Cláudio, a 140 km de Belo Horizonte.
O imóvel foi desapropriado pelo ex-governador Aécio Neves (PSDB), hoje deputado federal. Familiares de Aécio possuem uma fazenda perto do aeródromo, local onde o tucano tem o costume de frequentar. O caso ganhou repercussão nacional quando Aécio disputou a eleição presidencial em 2014.
A disputa judicial teve início em 2008, quando Aécio Neves ainda era governador de Minas e declarou de utilidade pública parte da fazenda do seu tio, ex-prefeito de Cláudio, Múcio Guimarães Tolentino, morto em 2017.
Na época da desapropriação do terreno de 256 metros quadrados, o governo depositou judicialmente a quantia de R$ 1 milhão. O valor não foi aceito pelos advogados de Múcio e, desde então, o processo litigioso tramita na comarca de Cláudio.
Segundo apurou a Record TV Minas, o valor da indenização foi aceito pela AGE (Advocacia Geral do Estado), representante do Estado no processo, e pelos herdeiros do tio de Aécio. Para ser julgado pela Justiça de Cláudio, o processo aguarda a conclusão de uma perícia solicitada pelo Ministério Público de Minas Gerais. O valor de R$ 2.183.797,39 deve ser atualizado.
Gastos
Após a desapropriação, o Governo de Minas gastou R$ 14 milhões para asfaltar a pista e fazer melhorias no local. O investimento levou o MP a abrir inquérito, que foi arquivado. Em 2018, outro inquérito foi instaurado, ainda sem desfecho.
A obra ficou pronta em 2010, mas o aeródromo só foi liberado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), em 2016, durante o governo do ex-presidente Michel Temer. A primeira versão do aeródromo foi construída em 1983, durante a gestão do então governador do estado Tancredo Neves, avô de Aécio, na época uma pista de chão batido.
Investigação
Cláudio sempre foi um dos destinos preferidos de Aécio. Quando governou o Estado, de 2003 a 2010, o tucano voou para o município 102 vezes em aeronaves do Estado. No mesmo período, Aécio foi 60 vezes para Brasília.
Ao todo, foram 1.337 voos para diversos destinos. O gasto com os deslocamentos chamou a atenção do Ministério Público, que moveu processo contra Aécio alegando que ele usou as aeronaves para fins particulares.
Em 2019, a Justiça em Belo Horizonte chegou a bloquear os bens de Aécio Neves no valor de R$ 11,5 milhões para ressarcir os cofres públicos. Dois meses depois, a mesma Justiça da capital extinguiu o processo alegando que o caso prescreveu. O Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça, mas o caso ainda não foi apreciado pelos desembargadores.
Outro lado
Em nota, Aécio Neves alegou que a obra fez parte do programa ProAero, cujo objetivo era fazer melhorias em diversas regiões do Estado e que as negociações foram conduzidas pela área técnica do Estado. Argumentou que a existência da pista de pouso de terra no local tornou a obra mais barata.
Sobre o valor da indenização, disse que a longa tramitação do processo demonstra o zelo do governo com os recursos públicos e que o valor é definido pela Justiça.
Em relação as viagens para Cláudio em aeronaves oficiais, informou que não há relação com a obra, que só foi inaugurada quando ele já havia encerrado o mandato e que no local mantém residência familiar.
Ainda segundo Aécio, o asfaltamento da pista atendeu demanda para estimular a economia local, pois Cláudio é importante pólo do setor de fundição e metalurgia.
Procurado pela nossa produção, o advogado do ex-prefeito Múcio Tolentino disse, em rápida conversa por telefone, que o processo não corre em segredo de Justiça e que poderia ser acessado e encerrou a ligação. A reportagem enviou e-mail para o advogado, mas ele não respondeu.
Confira a íntegra da nota do deputado federal Aécio Neves
“A obra do aeródromo de Cláudio se inseriu no programa ProAero que promoveu melhorias em unidades de diversas regiões do Estado.
As negociações que envolveram essa obra, como é regra, foram conduzidas pela área técnica do Estado, responsável, inclusive, pela escolha do local. A preexistência, há décadas, de uma pista de pouso de terra no local tornou a obra mais barata.
O valor de indenização avaliado e proposto pelo Estado foi considerado baixo e não foi aceito pelos proprietários na época. Esse valor é objeto de questionamento há cerca de 15 anos, o que, por si só, demonstra o zelo do governo com os recursos públicos. As discussões sobre o valor, como previsto em Lei, se dão na esfera judicial onde, como é de praxe, será definido o valor a ser pago.
A fixação de valores justos de indenização para obras públicas seguem os mesmos parâmetros e são definidos pela Justiça.
Em relação aos deslocamentos do governador Aécio Neves para a cidade de Cláudio, não há qualquer relação com a referida obra, que só foi inaugurada quando ele já havia encerrado seu mandato no Executivo.
Os deslocamentos do governador ao município onde mantém residência familiar, que pelos dados da reportagem, tiveram uma média de 1,3 vez ao mês durante o período do seu mandato, seguiram o que determina decreto em vigor até hoje no Estado, que prevê que todos os deslocamentos do governador, por razões de segurança, devem ser feitos por veículos do Estado, seja aeronave, helicóptero ou carro.
Por fim, o asfaltamento da pista do aeródromo já existente atendeu a demanda antiga do município e do empresariado local, como amplamente documentado.
Cláudio é importante pólo do setor de fundição e metalurgia com cerca de 200 indústrias instaladas.
Assim como outras obras realizadas, em diferentes partes do Estado, essa também teve o objetivo de estimular e apoiar a economia local.
Documento elaborado em 2003 pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), com apoio do Ministério do Desenvolvimento (governo Lula), que apresentava o planejamento para o desenvolvimento regional, qualificava o aeródromo de Cláudio (MG) como obra de importância estratégica para a região”.