“Nos meus pesadelos, vejo Miguel estirado no chão”, diz Mirtes
Um mês após a morte de seu filho de 5 anos, a empregada doméstica Mirtes Renata diz passar seus dias sonhando em reencontrar Miguel em uma vida após a morte. Sua ex-patroa, Sari Corte Real, foi indiciada e responderá processo por abandono de incapaz que resultou em morte
A vida de Mirtes Renata Santana da Silva mudou completamente há exatamente um mês, quando ela se deparou com seu único filho, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caído no hall de entrada do prédio de luxo no centro de Recife, em Pernambuco, onde ela trabalhava como empregada doméstica. A cena era o desfecho de uma tragédia que começou quando Mirtes deixou o menino com sua ex-patroa, Sari Gaspar Corte Real, enquanto passeava com o cachorro da família.
O passo a passo até a queda foi acompanhado por todo o Brasil: Miguel entrou no elevador algumas vezes e foi retirado por Mirtes. Na última, ela aparece em imagens do circuito interno de vídeo do edifício apertando o andar da cobertura, antes de as portas se fecharem. Sozinho, Miguel aperta outros vários andares. Desce no nono, abre a porta de incêndio, escala uma janela, sobe em um ar-codicionado, se apoia num gradil, desequiliba e cai de uma altura de 35 metros. Nesta semana, Sari foi indiciada por abandono de incapaz que resultou em morte. Para Mirtes, no entanto, a história jamais terá desfecho: foi ela quem encontrou o filho caído no hall do prédio, e em depoimento à Marie Claire, revela que tem pesadelos com a cena, que não lhe sai da cabeça.
“Não consegui sonhar com o meu filho ainda. Quer dizer, nada de bom. Só me vêm os pesadelos com o momento que eu o encontrei no chão. Aquele momento de desespero ainda me dói demais e sempre passa pela minha cabeça, até quando estou dormindo”, conta. “Nos meus pesadelos, vejo Miguel estirado no chão.”
Mirtes afirma que nunca acordou assustada, mas seu primeiro pensamento logo de manhã é em Miguel. Ela revela que tem esperança de reencontrar o menino fora de seu quarto, mas, todos os dias, o que encontra é o vazio.
“A primeira coisa que penso quando acordo é que tudo aquilo que aconteceu foi um pesadelo, um sonho ruim”, diz ela. “Quando me levando, procuro Miguel pela casa, até cair na realidade: tudo o que aconteceu foi de verdade e não terei mais meu filho. Queria mesmo que, quando eu acordasse, tivesse meu filho aqui e que tudo não tivesse passado de um pesadelo, mas infelizmente, foi verdade.”
Mirtes diz ainda que não conseguiu reorganizar ou projetar o que pretende fazer no futuro. Ela acredita estar “sobrevivendo”. Seu único objetivo é provar que a morte de seu filho não foi um mero acidente, como a ex-patroa afirma.
“O meu foco maior é buscar justiça pela morte do meu filho e, por isso, ainda não consegui parar para pensar no que vou fazer da minha vida. Tem sido muito difícil. Cada dia que passa, a saudade aumentando.”
“Tudo está no mesmo lugar”
Na casa em que divide com sua mãe, Marta Santana, que também trabalhava para Sari, e Miguel, as coisas do menino estão intocadas. Roupas e brinquedos continuam todos guardados como se esperassem pela volta dele. Mirtes não pretende se desfazer de nada tão cedo.
“Lembro sempre dos momentos que a gente saía para passear, do sorriso lindo que ele me dava quando estava feliz pelas coisas que eu fazia por ele. Me lembro dos gestos e o carinho dele por mim e isso vou guardar para o resto da vida. Ainda não tive coragem de mexer nas coisas dele e tudo está guardado, no mesmo lugarzinho… todos os brinquedos e roupas estão no mesmo local e não tive coragem de doar para ninguém. Vou deixar o tempo me dizer quando fazer isso.”
Mirtes tem fé em vida após a morte e acredita que seu filho está em um lugar bem melhor. Ela descreve como seria seu reencontro com Miguel em outra vida.
“Tenho certeza de que ele está sendo muito bem-cuidado e esperança de reencontrá-lo um dia. Quero dar um abraço, um beijo e muito amor ao meu filho. Tenho essa vontade de revê-lo e matar essa saudade que está acabando comigo, me destruindo“, diz ela. “Isso que estou passando está doendo muito mesmo. Quero vê-lo para aliviar meu coração. Em nenhum momento eu esqueço o que aconteceu com ele. Durante o dia, as pessoas vão na minha casa, conversam, me distraem, conseguem arrancar um sorriso e até uma risada, mas não me sai da cabeça a falta que ele me faz. Às vezes, me distraio, mas meu coração sente a dor porque meu filho não está mais comigo”, fala emocionada.
Mirtes confessa que tem medo de enlouquecer, e explica que tem tomado remédios indicados por uma médica para controlar a ansiedade e a pressão. “Tenho medo de enlouquecer porque o que aconteceu foi muito pesado. Eu tenho medo de ficar louca com essas coisas. Estou tentando me cuidar, já fui à médica, que me receitou remédios para controlar a pressão e a ansiedade. São para eu me manter sã e conseguir seguir em frente”, pontua.
Mirtes conta que já tinha desistido de ter mais filhos. Pensava em fazer uma laqueadura tubária, mas, agora, desistiu. Ela se recorda com carinho das vezes em que Miguel pediu um irmão ou uma irmãzinha para brincar.
“Nunca planejei ter outro filho. Miguel sempre me pediu uma irmã ou um irmão, mas nunca pretendi ter”, lembra ela. “Estava pensando em fazer uma laqueadura para não ter mais filhos. A médica chegou a me passar alguns exames para eu entrar na fila do SUS. Quando veio a pandemia, tudo parou e não segui em frente. Miguel era suficiente para mim. Um sonho realizado. Além disso, financeiramente, não tinha como sustentar outra criança. Meu objetivo sempre foi dar uma boa qualidade de vida a ele. Miguel era quem eu tinha saúde mental para cuidar. Às vezes, ele me aperreava muito, mas sempre foi tudo para mim. Eu não precisava ter mais nenhum filho. Agora, farei mais a cirurgia. Mas também não pretendo ter outro filho agora. Não sei como vai ser minha vida daqui para frente.”