Em caso inédito, Petrobras terá de indenizar investidores por má conduta
Valor para o caso ainda não foi definido e estatal se prepara para tentar anular decisão na Justiça
Maio vai entrar para a história do mercado de capitais brasileiro. As fundações Petros e Previ ganharam, em disputa na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), uma ação de ressarcimento contra a Petrobras em razão da Operação Lava-Jato. Trata-se da primeira indenização a investidores no Brasil por perdas com ações devido à má conduta da companhia definida em arbitragem. A decisão é do dia 27 do mês passado. Disputas na CAM são sigilosas e o assunto está sendo tratado com discrição adicional. Ainda não foram definidos os valores que a Petrobras deve pagar e, por enquanto, a estatal não comunicou ao mercado a vitória dos fundos de pensão no caso. O tribunal arbitral, conforme o EXAME In, apurou, estabeleceu alguns parâmetros.
A Petrobras, conforme pessoas próximas ao tema, consultou diversos juristas e prepara-se para ir à Justiça para tentar reverter o entendimento da CAM, que pertence à B3. O prazo regulamentar para isso é de 90 dias a contar da decisão. Esse seria o motivo de a companhia não ter informado ao mercado a respeito do assunto, por acreditar na elevada possibilidade de “anulação” do resultado da disputa. Consultada, a estatal limitou-se a informar, por meio de sua assessoria de imprensa: “A sentença parcial mencionada na matéria é confidencial, não encerra a arbitragem e tampouco determina o pagamento de valores pela Petrobras. Essa sentença parcial não altera o que a Petrobras já vem comunicando ao mercado sobre o assunto”.
A Lei de Arbitragem no Brasil (9.307/96) prevê que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. Segundo a legislação, a decisão arbitral é irrecorrível, a menos em casos de vícios no processo, como impedimento da defesa — o que torna muito rara a situação de revisão do mérito.
A dificuldade de os investidores obterem ressarcimento é recorrentemente apontada como uma das fraquezas do mercado brasileiro de capitais. A questão fica mais grave quando envolve uma companhia listada na bolsa de Nova York e os estrangeiros conseguem ser recompensados mais facilmente lá, o que cria uma distorção no tratamento dos acionistas das duas jurisdições.
Os problemas no Brasil combinam lentidão do sistema judiciário com falta de especialização (pano de fundo da criação da CAM há 20 anos), ausência de um modelo simples para ações coletivas e ainda a própria estrutura da Lei das Sociedades por Ações, que pressupõe as empresas como vítimas da má conduta de seus administradores e controladores, e não como autoras, ou seja, como rés.
Somente na CAM, a Petrobras é alvo de mais quatro ações em busca de indenização. E há ainda processos semelhantes na Holanda e na Argentina. Os questionamentos têm paralelo na ação de classe movida nos Estados Unidos em razão dos escândalos de corrupção relacionados à Operação Lava-Jato.
Nos Estados Unidos, a Petrobras desembolsou nada menos do que 2,95 bilhões de dólares em acordos para encerrar as contendas antes que fossem a julgamento. Em dinheiro de hoje, isso é nada menos do que quase 15 bilhões de reais.
O caso da estatal foi agravado porque a companhia realizou, em 2010, a maior oferta de ações do mundo até aquele momento, de 120 bilhões de reais — a petroleira saudita Saudi Aranco ainda nem sonhava com seu IPO. Na prática, a Petrobras captou recursos dos investidores enquanto a corrupção ocorria de forma desmedida em seus contratos. Além disso, a empresa aprovava investimentos que não tinham nenhuma perspectiva de retorno e, ao mesmo tempo, se comprometia com limites de alavancagem financeira que sabia que não poderia cumprir.
Entre os questionamentos ainda pendentes de decisão na CAM, estão a ação conhecida como “dos 1.500”, em que diversos investidores institucionais querem ser recompensados por suas perdas, e a primeira iniciativa de uma arbitragem coletiva, movida por uma associação, a Aidmin. Os pleitos são os mesmos da discussão das fundações, mas a vitória da Petros e da Previ não se aplica aos demais processos.
Coleção de coletivas
A CAM tem hoje três ações coletivas de ressarcimento para investidores em teste. Além da Petrobras, são alvo de pedidos de indenização a mineradora Vale, pelo desastre de Brumadinho e a forma como lidou com as informações sobre os riscos antes do rompimento da barragem, e a resseguradora IRB, pelas discussões a respeito de sua contabilidade. Tanto Vale como IRB também são alvo de ações de ressarcimento individuais na CAM.
A proposta da arbitragem coletiva é muito parecida à ação de classe americana — e nunca foi testada por aqui. As iniciativas são feitas em nome de um grupo que fica aberto a adesões. Normalmente, de investidores que possuíam ação no período da conduta alvo de questionamento, em janela que vai ser definida pelo próprio tribunal arbitral.
A discussão desse modelo no Brasil ganhou força porque o Novo Mercado e o Nível 2 de governança estabelecem, em regulamento, que o ambiente para discussões societárias é a CAM, e não o Judiciário.
Os argumentos dos casos são sempre muito semelhantes — como ocorre com as ações de classe americanas, quase sempre concentradas no debate sobre a qualidade das informações divulgadas ao mercado. O escritório de Modesto Carvalhosa é o autor das três iniciativas coletivas e da maioria das individuais também.
A tese jurídica adotada para solicitar indenização combina obrigações de compensação de prejuízos previstas no Código de Processo Civil com a regulação do mercado, Lei das Sociedades por Ações e regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O modelo, chamado de class arbitration, está em debate em diversos outros países. Mas as iniciativas no Brasil estão despertando atenção. Nesta semana, é a discussão central de um evento virtual coordenado pelo Ministério da Economia, mais CVM, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Embora a adoção de um modelo de arbitragem obrigatória para Novo Mercado tenha sido comemorada lá atrás, o tempo vem trazendo críticas para essa saída. Além de ser um sistema caro para o investidor, a sistematização de um questionamento coletivo é ainda mais desafiadora do que na Justiça. A organização fica prejudicada com o fato de as disputas serem sigilosas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vem buscando formas de facilitar a organização de investidores.