Se Covas se contaminou, o que dizer de quem sacode no ônibus?
Em uma batalha em que o mal principal é a falta de informação, o terreno da comunicação se torna tão importante quanto o científico
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, anunciou ontem, 13, que havia sido contaminado pelo coronavírus, detectado numa série de exames de rotina. Muitos irão ponderar que o prefeito, que passa por um tratamento contra um câncer agressivo, pertence ao grupo de risco e está com a imunidade baixa, em função dos medicamentos que toma. Pessoas próximas a Covas, no entanto, afirmam que sua resistência viral é boa, apesar de tudo.
Vamos dizer que o prefeito tenha algum tipo de deficiência imunológica. Mesmo assim, ele tomou todos os cuidados que um cidadão preocupado com a doença adotaria: foi visto usando máscaras e desinfetando seguidamente as mãos. Além disso, conta com a infraestrutura proporcionada pela Prefeitura, o que aumentaria seu índice particular de isolamento social (é verdade, porém, que o prefeito circulou muito e visitou hospitais, estando mais sujeito ao vírus do que alguém que não rodasse tanto por aí).
Mas o caso de Covas mostra o quão traiçoeiro é o vírus, pois alguém que tomou os cuidados de praxe acabou se contaminado. Se o prefeito, que foi atingido pela pandemia em ambientes controlados, o que se pode dizer de quem sacode no ônibus lotado diariamente?
O fato é que, passados seis meses desde o início da pandemia em Wuhan, na China, temos alguns indícios sobre o coronavírus. Mas estamos longe de compreendê-lo. Não se sabe a razão pela qual há um enorme contingente de pessoas que é naturalmente imune – ou o porquê de alguns carregarem o vírus e não sofrerem sua ação (os chamados assintomáticos).
Conseguimos mapear muito bem o grupo de risco – mas igualmente não sabemos o que faz um indivíduo de 80 anos, sofrendo comorbidades, escapar da morte enquanto outro, até mais jovem, sucumbe aos efeitos da contaminação.
O principal mal que enfrentamos nessa batalha é o da falta de informação. Isso gera decisões equivocadas por parte dos governantes e até idas e vindas perpetradas pela Organização Mundial da Saúde – em tese, o órgão que deveria atuar como autoridade máxima em disseminação do conhecimento sobre o coronavírus, a quem o direito de errar inexiste.
Onde há desinformação, há medo, revolta e ansiedade. E são esses os sentimentos dominantes na sociedade.
Ontem à noite, por exemplo, falava por vídeo conferência com um amigo que está em isolamento total na cidade de Campos do Jordão há 90 dias. Ele colocou uma cadeira em frente à casa, na qual os entregadores precisam depositar as encomendas pedidas por e-commerce ou delivery. Nenhum membro de sua família chega perto destes mensageiros. Cada mercadoria ou mesmo correspondência é banhada em álcool e deixada em quarentena. Só depois é que podem ser manuseadas. Sua rotina é seguida à risca e ele não vai à rua, nem mesmo para um rápido passeio, há três meses.
É preciso admitir que o perfil desta simpática figura o torna um espécime perfeito do grupo de risco, juntando todas as características de quem pode adquirir o vírus com maior facilidade. Alguém pode dizer que esse amigo está exagerando? Diante da nossa falta total de domínio sobre o assunto, arrisco dizer que não.
Além daqueles que estão beirando a paranoia em relação à pandemia, há os que a encaram com serenidade e tomam suas precauções – como o prefeito Covas. Mas existe um grupo de pessoas que há muito deixou de se preocupar com o coronavírus. Na mesma vídeo conferência de ontem, outro amigo estava participando de uma festa junina (para poucos, mas não deixava de ser uma reunião). À tarde, também falei com dois empresários que estavam na praia, com convidados em suas respectivas casas. Outro, ainda, estava com sua mulher num hotel no interior que contava com um número razoável de hóspedes.
Essas pessoas apenas concretizaram o que inúmeros indivíduos mais desejam: falar com amigos, trocar ideias ao vivo, mesmo sem manifestações explícitas de carinho, como beijos e abraços. Mas, mesmo isso, dentro de nossa cultura, pode ser um desafio. Na semana passada, por exemplo, ouvi o seguinte de um grande empresário de educação: “Como um povo que se cumprimenta com um, dois ou três beijinhos no rosto vai se adaptar a uma convivência sem proximidade física?”.
Difícil. Mas, se por um lado, precisamos respeitar as orientações de autoridades sanitárias e médicos, está também na hora de os cientistas produzirem mais informações à sociedade. E, em conjunto com os especialistas em comunicação, criarem formas simples, diretas e empáticas para espalhar esses subsídios à população, especialmente no que diz respeito à higienização de membros do corpo e objetos – algo que passa batido na maioria das cartilhas que leio por aí. Essas peças versam apenas sobre limpar as mãos constantemente, mas dificilmente mencionam a necessidade de se higienizar produtos e objetos que foram manuseados por outros.
A batalha contra o vírus não se ganha apenas no campo da ciência. O terreno da comunicação é tão importante quanto o científico. Se as informações corretas não chegarem à sociedade, não vamos resolver o problema. Apenas iremos amplificá-lo.