Sem confirmações, acusações têm efeito oposto e até implicam Moro
Advogados criminalistas ouvidos pelo R7 apontam possíveis violações da lei, como prevaricação, corrupção passiva, contra a honra e calúnia
A íntegra do depoimento do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro à Polícia Federal veio a público nesta terça-feira (5) e relata possíveis crimes como falsidade ideológica, obstrução de justiça e de responsabilidade sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Advogados criminalistas ouvidos pela reportagem do R7 apontam, caso as acusações feitas pelo ex-juiz da Lava Jato não sejam confirmadas, crimes. Desta vez, contra Moro.
A possível interferência política do presidente sobre a Polícia Federal é a questão-chave. No dia em que pediu demissão, Moro acusou Bolsonaro de ingerência na instituição e, durante o depoimento, revelou que recebeu uma mensagem do presidente no começo deste ano com a seguinte afirmação: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Moro disse que concordou apenas com a primeira substituição da PF no Rio, uma vez que o então ocupante do cargo, Ricardo Saad, “havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo diretor-geral”.
Para o advogado criminalista Fernando Parente, “Moro implica ao presidente uma possibilidade de obstrução da justiça, com esta intervenção na polícia, que poderia impedir que investigações ocorressem no curso normal”.
A mensagem recebida por Moro, na avaliação de João Paulo Martinelli, doutor em direito penal pela USP e professor da Escola de Direito do Brasil, é a evidência mais forte exibida no depoimento. “Mas, claro, tem que aguardar a perícia do telefone para avaliar a veracidade das mensagens”, diz. “Eu achei que viriam à tona mais coisas, mais elementos de provas, mais substanciais. Ele mesmo disse em alguns momentos que não se lembra se tem registro ou não da reunião, que ministros testemunharam”, acrescenta.
Na entrevista em que anunciou a própria demissão, Moro disse que havia o interesse, novamente, de trocar a superintendência da PF no Rio de Janeiro e também em Pernambuco. Por isso, críticos argumentam sobre uma possível omissão do ex-juiz da Lava Jato.
“O ex-ministro não cometeu crime ao denunciar fatos supostamente ilícitos ocorridos no âmbito do Ministério da Justiça e da Presidência da República, pois é sua obrigação legal”, afirma o advogado Willer Tomaz. Mas ele destaca que, se as acusações forem comprovadas, Moro poderá ser acusado de omissão legal “por não comunicar a irregularidade a tempo”, com possibilidade de responder a ação penal.
A possível omissão de Moro dependerá do restante da apuração a ser realizada pela Polícia Federal, argumenta Victor Minervino Quintiere, advogado criminalista e vice-presidente da Comissão de Reformas Criminais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Distrito Federal. “Além disso, em relação ao ex-ministro, deverá ser analisado se eventual omissão se deu a título de dolo, por exemplo”, acrescenta.
Moro, que tem em sua biografia a posição de ex-juiz, professor de direito penal e agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, domina a definição do que é ou não crime. “Moro disse que não falou que o presidente cometeu crime, e sim a PGR, porque se ele afirma que reconhece que é crime, ele acaba reconhecendo que cometeu prevaricação”, avalia Martinelli.
A prevaricação é o ato praticado por servidor púbico para satisfazer interesse pessoal. O crime tem pena prevista é de detenção, de três meses a um ano, e multa.
Para Parente, não há omissão por parte do ex-ministro, “pois aparentemente ele teria resistido à pressão do presidente”.
O ex-juiz da Lava Jato também revelou que pediu à presidência da República o pagamento de pensão para a sua família caso algo lhe acontecesse. Para advogados criminalistas, a questão é preocupante. “Ele não comenta sobre a pensão para a família dele, o que não é nenhuma surpresa, pois é algo ilegal. Há crime pela simples pretensão à obtenção de vantagem ilícita por estar em cargo público”, aponta Parente.
Quintiere, da comissão da OAB, avalia que Moro poderá, em tese, ter cometido o crime de corrupção passiva, “por ter solicitado vantagem indevida a depender do contexto exato dessa solicitação e desde que, evidentemente, seja comprovado o dolo na obtenção de vantagem indevida”.
“Não se pode punir intenções”, diz Tomaz. Ele afirma que o suposto acerto “aparentemente não configura nenhum ilícito, uma vez que nada se concretizou”.
As acusações feitas por Moro foram alvo de abertura de inquérito a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) frente ao STF (Supremo Tribunal Federal). A intenção é apurar se, de fato, foram cometidos os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
“Nesse sentido, de acordo com a referida petição, o ex-ministro poderá responder, caso as acusações não sejam confirmadas, por denunciação caluniosa além de eventuais crimes contra a honra e o próprio crime de corrupção passiva”, finaliza Quintiere.