Deputados do PT querem CPI para investigar Sérgio Moro
Os deputados petistas Rogério Correia (MG), Paulo Pimenta (RS), Natália Bonavides (RN) e Célio Moura (TO) pediram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar crimes que teriam sido cometidos pelo ex-ministro Sério Moro.
Segundo os autores, a CPI deverá buscar informações sobre o envolvimento de Moro em crimes como prevaricação, obstrução a investigações e advocacia administrativa.
“Não se viu qualquer empenho do Ministério [da Justiça] ou da Polícia Federal, sob seu comando, no sentido de verificar o conteúdo das informações trazidas pelo site The Intercept, que continham indicações graves de crimes e ilegalidades cometidos pelos integrantes da operação Lava Jato”, diz a justificativa apresentada pelos deputados.
A CPI teria também como objetivo investigar um suposto acordo firmado entre Moro e Bolsonaro para que o então juiz aceitasse assumir o cargo de ministro. Os deputados argumentam que Moro teria exigido uma pensão para a família, caso ele viesse a falecer, e pretendia ser indicado futuramente para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.
Com informações da Agência Câmara.
Celso de Mello deve abrir inquérito no STF para investigar ex-ministro Sérgio Moro
O ex-ministro Sérgio Moro deverá ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acerca das declarações que fez, na última sexta-feira (24), durante a coletiva em que pediu demissão da Justiça.
O ministro do STF Celso de Mello é o relator do pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar os fatos narrados e as acusações feitas pelo então ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro.
Cabe ao relator dar o aval ao pedido da PGR e instaurar o inquérito. Uma das primeiras providências pedidas pelo MP é o depoimento do ex-ministro.
O decano (mais antigo ministro) do STF foi sorteado relator do pedido de abertura de inquérito encaminhado nesta sexta mesmo pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Supremo com base no pronunciamento feito por Moro ao informar sobre seu pedido de demissão.
Na “delação”, Moro disse ter ouvido de Jair Bolsonaro que o presidente da República “queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”.
“O presidente me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo e que a troca [da direção-geral da Polícia Federal] seria oportuna por esse motivo”, disse o ex-ministro da Justiça.
O advogado criminalista Dante D’Aquino, em artigo especial, afirmou que o ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, realizou uma delação que pode levar ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“As revelações do Ministro Sérgio Moro evidenciam uma clara e direta tentativa de interferência nas investigações, por parte do Presidente em exercício”, diz D’Aquino, lembrando que o ainda ministro gozava no ato da coletiva da presunção da veracidade.
O criminalista recorta que o Presidente da República visou a substituição do comando máximo da Polícia Federal para:
- proteger interesses pessoais;
- obter relatórios sigilosos e estratégicos de inteligência;
- tráfego de influência para obter vantagens em investigações;
- tentativa de quebra de sigilo em investigação no STF;
- crimes que pavimentam o impedimento de Bolsonaro.
Já o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse no sábado (25) que Moro confessou o cometimento de alguns tipos penais na coletiva.
Para Kakay, Moro reconheceu na coletiva a solicitação expressa de vantagem indevida [pensão] feita ao então presidente eleito em favor de sua família.
O advogado tipificou os crimes do ex-ministro Moro como “concussão” (Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida) e “excesso de exação” (Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza), previstos nos artigos 316 e 317, do Código Penal, que têm penas que vão até 12 anos de prisão.
Kakay ainda aponta violação do Regime Geral de Previdência Social, previsto no art. 40, §13, da Constituição Federal, quando Sérgio Moro exige para si vantagem do amparo de uma pensão ao presidente Jair Bolsonaro.
O criminalista diz que o ex-ministro teve vontade deliberada de fazer a delação. “Talvez para se proteger”, especula. “Ele sabe o risco de mexer com milícia”, completa.
Evidentemente que o PGR, a serviço do Planalto, não irá aliviar para Sérgio Moro.
É nesse contexto que Celso de Mello deverá abrir a investigação contra o ex-juiz e ex-ministro no Supremo Tribunal Federal.
A seguir, leia a seguir a íntegra do discurso do ministro da Justiça:
Pronunciamento oficial do então ministro Sérgio Moro
Antes de entrar no assunto específico, eu queria só fazer algumas reflexões gerais para poder justificar minhas decisões.
Antes de assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, eu fui juiz federal por 22 anos. Tive diversos casos criminais relevantes. E, desde 2014, em particular, nós tivemos a Operação Lava Jato, que mudou o patamar do combate à corrupção no país. Claro que existe muito ainda a ser feito. Mas aquela grande corrupção, que em geral era impune, esse cenário foi modificado. Esse foi um trabalho do Judiciário, do Ministério Público, de outros órgãos e, na parte da investigação, principalmente aí da Polícia Federal.
Durante… desde 2014, né, na Lava Jato sempre tinha uma preocupação constante de uma interferência do Executivo nos trabalhos da investigação. E isso poderia ser feito de diversas formas, como troca do diretor-geral, assim que houvesse causa, troca do superintendente.
Eu realmente assumi esse cargo, fui criticado, entendo essas críticas. Mas a ideia era realmente buscar um nível de formulador de políticas públicas aqui numa alta posição do Executivo, de aprofundar o combate à corrupção e levar essa maior efetividade em relação à criminalidade violenta e o crime organizado.
Tem uma única condição que eu coloquei. Não ia revelar, mas agora isso não faz mais sentido manter segredo. Isso pode ser confirmado tanto pelo presidente quanto pelo general [Augusto] Heleno. Eu disse que, como eu estava abandonando 22 anos da magistratura, contribuí 22 anos para a Previdência e perdia saindo da magistratura essa previdência. Pedi apenas, já que nós íamos ser firmes contra a criminalidade, especialmente a criminalidade organizada, que é muito poderosa, que, se algo me acontecesse, pedi que minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica no Ministério da Justiça.
Permito-me aqui dizer que o presidente concordou com todas, com esse compromisso, nem foi uma condição o combate à corrupção, criminalidade violenta, criminalidade organizada. Falou até publicamente que me daria carta branca.
Eu já tinha uma expertise por trabalhar com polícia como juiz, evidentemente, essa criminalidade organizada e aceitei mais uma vez com aquele intento de realmente fazer com que as coisas evoluíssem. Minha avaliação na época é que essa aceitação, que essa aceitação ao convite, foi muito bem acolhida pela sociedade.
Também me via como, estando no governo, como também garantidor, claro que existem outras instituições importantes, o Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, mas entendi que, pelo meu passado de juiz e meu compromisso com o Estado de Direito, que eu também poderia ser aí um garantidor da lei e da imparcialidade e da autonomia dessas instituições.
Dentro do ministério, me permito aqui algumas reflexões, a palavra mote tem sido integração. Nós atuamos muito próximos das forças de segurança estaduais, até mesmo municipais. Nós realmente trabalhamos duro contra a criminalidade organizada. Ouso aqui dizer, claro que tudo isso é sujeito a críticas e segundas opiniões, mas que não houve um combate tão efetivo à criminalidade organizada como houve durante essa gestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Trabalhando não contra, mas com os governos estaduais. Tivemos o caso, por exemplo, da transferência e isolamento das lideranças do PCC. Tivemos recentemente a prisão da maior autoridade do PCC em liberdade, 20 anos foragido, graças a um trabalho de investigação eficiente da Polícia Federal.
Tivemos recordes de apreensão de drogas no combate ao crime organizado. Isso é importante, tirar drogas das ruas, a cocaína, maconha. Isso feito pela Polícia Federal. Isso feito pela Polícia Rodoviária Federal, também um belíssimo trabalho aqui desenvolvido. Pela Força Nacional, nos locais em que ela atuou. Tivemos recordes de destruição de plantações de maconha no Paraguai, que é o nosso principal fornecedor. Números expressivos de apreensão de produto do crime, seja de drogas, seja de corrupção. Principalmente aí no caso pela Polícia Federal.
Buscamos fortalecer a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal nesse período com ampliação dos concursos existentes. Empregamos maciçamente a Força Nacional e todo o território nacional. A Força Nacional é uma instituição que, ao meu ver, ia ser fortalecida. Nós estamos lá defendendo no Congresso Nacional uma emenda à Constituição para tornar ela uma instituição prevista ali na Constituição para que nós possamos ter com o tempo também um corpo próprio, sem prejuízo dos mobilizados, sem prejuízo dos requisitados dos estados, que nós queremos fortalecê-la. Ela tem sido muito demandada e às vezes nós sentimos que nós não temos a perna suficiente. E ela atendeu diversas emergências de segurança pública nesse período lá no Ceará por mais de uma vez, espalhadas aí em terras indígenas.
Enfim, o nosso projeto Em Frente, Brasil. Nós criamos o Seope, né, Secretaria de Operações Integradas, até nessa linha de fortalecer a integração. A Seope desenvolveu um programa chamado Hórus e Vigia, que é talvez um dos primeiros programas realmente efetivos para controle de fronteiras no país e trabalha em conjunto com as forças de segurança estaduais.
Investimos na inteligência, com os centros de fusão, saímos trabalhando também em outras áreas. Várias outras áreas do Ministério da Justiça tiveram, ao meu ver, um bom ganho de efetividade, a área do consumidor, a área de imigração, a Senajus. Aqui é só um retrato. Queria fazer só umas justificativas.
No momento o Ministério da Justiça está voltado principalmente ao enfrentamento da pandemia. Isso prejudicou um pouco os planos em curso, embora eles continuassem. Nós estamos cuidando também de EPI, de vacinação, de atenção às forças de segurança, de coordenação, de se preocupar com o plano nacional de segurança.
Enquanto o Coaf esteve no Ministério da Justiça, eu não pedi que o Coaf viesse, mas foi proposto que ele fosse colocado na estrutura do Ministério da Justiça. Nós o fortalecemos. Depois ele acabou sendo transferido para outros órgãos. Até onde eu tenho presente a estrutura fortalecida se manteve. Acho que isso é muito positivo. Também é um órgão de inteligência importantíssimo, que nós devíamos inclusive aumentar sua estrutura e melhorar seu funcionamento.
Tivemos aí o projeto de lei anticrime, que foi a principal mudança legislativa durante o nosso período de gestão. Várias alterações, facilitação também de venda de drogas [possivelmente Moro quis dizer que houve dificultação de venda de drogas]. O Depen fez um trabalho também fantástico aqui, o Ministério Público, também a Senad. Desculpe aqui um pouco cansativo todas essas reflexões. O projeto de lei anticrime poderia ter avanços maiores, infelizmente não foi aprovado em sua totalidade, mas ainda assim na minha avaliação ele representou um grande avanço.
Eu lembro aqui num dos primeiros projetos que nós fizemos no Ministério da Justiça, logo no início, foi uma campanha motivacional para os servidores, e o tema era “faça a coisa certa sempre”. Então esse sempre foi o mote, sempre foi a palavra, a frase do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Faça a coisa certa e não importa as circunstâncias, arque com as consequências, isso faz parte.
Acho que com tudo isso nós conseguimos resultados expressivos, alguns deles eu já mencionei, como as questões do combate ao crime organizado. Mas nós tivemos, permito-me aqui dizer, uma redução expressiva da criminalidade em 2019.
Tudo bem, já tinha uma queda em 2018, mas em 2019 nós tivemos uma queda em percentuais sem precedentes históricos: menos 19% de assassinatos. Outros crimes também caíram percentualmente até de maneira mais significativa. Mais de 10 mil brasileiros deixaram de ser assassinados.
Claro, é um resultado compartilhado com os estados e com os municípios onde tem o combate à violência. Ninguém tem dúvida disso, ninguém quer invocar esse mérito específico de maneira exclusiva. Até porque a proposta do Ministério da Justiça sempre foi integração: importa o resultado, não quem leva a medalha no final.
Mas é muito significativo. Tudo isso me deixa muito feliz, que nesse primeiro ano nós tivemos resultados assim tão positivos para a queda de violência, que é uma grande aspiração da população brasileira. Claro que temos ainda que melhorar muito esse cenário, mas, enfim, esse é um trabalho que é permanente e duradouro.
Bem, em todo esse período, tive apoio do presidente Jair Bolsonaro em vários desses projetos. Outros nem tanto. Mas a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente da troca do comando da Polícia Federal. Isso, inclusive, foi declarado publicamente pelo próprio presidente. Houve primeiro o desejo de trocar um superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Sinceramente, não havia nenhum motivo para essa substituição. Mas, conversando com o superintendente em questão, ele queria sair do cargo por questões exclusivamente pessoais. Então, nesse cenário, acabamos concordando, eu e o diretor-geral, em promover essa troca com uma substituição técnica, com uma substituição de um indicado pela polícia.
Agora, fazer uma referência bastante rápida. Eu não indico superintendentes da Polícia Federal. Única pessoa que eu indiquei na Polícia Federal foi o diretor, Maurício Valeixo. Não é meu papel fazer indicações aí de superintendentes. E assim tem sido no ministério como um todo. Eu sempre tenho solicitado, dado autonomia ao pessoal que trabalha comigo —a palavra certa não é subordinado, é equipe— para que eles façam as melhores escolhas. Assim se valoriza os subordinados, subordinados… a equipe, e as escolhas técnicas.
Eu tinha notícia de quando eu assumi aqui o Ministério da Justiça de, que pelo menos havia rumores, de que a Polícia Rodoviária Federal tinha em algumas superintendências indicações políticas. Eu escolhi o diretor-geral Adriano Furtado, está aqui presente, ele pode testemunhar o que eu disse para ele na ocasião, que eu falei: “Escolha tecnicamente”. O que não é aceitável de maneira nenhuma são essas indicações políticas.
Claro que às vezes existem indicações positivas. Mas, quando se começa a preencher esses cargos técnicos, principalmente de política, com indicações político-partidárias, realmente o resultado não é bom para a corporação inclusive.
O presidente passou a insistir na troca do diretor-geral. O que eu sempre disse ao presidente: presidente, eu não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral da Polícia Federal, mas eu preciso de uma causa. E uma causa normalmente relacionada a uma insuficiência de desempenho, um erro grave. E, no entanto, o que eu vi durante todo esse período, até pelo histórico do próprio diretor-geral, que é um trabalho bem feito. Várias dessas operações importantes, combate ao crime organizado, operações também de combate à corrupção que foram relevantes. Poderiam ter até mais operações, mas normalmente essas operações elas maturam durante algum tempo.
E ano passado, em particular, nós ficamos vários meses sem poder movimentar inquéritos envolvendo lavagem de dinheiro por uma decisão judicial. Isso também prejudicou um pouco os trabalhos. Mas o trabalho vinha sendo feito até a queda dessas estatísticas criminais é um indicador relevante de que o trabalho estava sendo positivo.
Não é a questão do nome. Tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor da Polícia Federal, outros delegados igualmente competentes. O grande problema de realizar essa troca é, primeiro que haveria uma violação de uma promessa que foi feita inicialmente, que eu teria carta branca.
Em segundo lugar, não haveria uma causa para essa substituição. E estaria claro que estaria havendo. E estaria claro que estaria havendo ali uma interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo na credibilidade, não minha, mas minha também, mas também do governo, desse compromisso maior que nós temos de ter com a lei, com o rule of law. E ia ter impacto também, na minha opinião, na própria efetividade da Polícia Federal, ia gerar uma desorganização.
Não aconteceu durante a Lava Jato, a despeito de todos os problemas de corrupção nos governos. Houve até um episódio em que foi nomeado diretor no passado com o intuito de interferência política e não deu certo. Ficou pouco mais de três meses.
A própria instituição rejeitou essa possibilidade. E o problema é que, nas conversas com o presidente, isso ele me disse expressamente, que é não é só a troca do diretor-geral. Haveria também intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do Rio de Janeiro.
Outros superintendentes provavelmente viriam em seguida, o superintendente da Polícia Federal de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão, uma causa para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis. Dialoguei muito tempo com o presidente, busquei postergar essa decisão, às vezes até sinalizando que poderia concordar no futuro com essa possibilidade.
E até em um primeiro momento pensando: “Não, de repente pode ser feito, pode ser alterado”. Mas cada vez mais me veio a sinalização de que seria um grande equívoco realizar essa substituição. Ontem, conversei com o presidente, houve essa insistência do presidente. Falei ao presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo.
Falei que isso teria um impacto todos, que seria negativo, mas, para evitar uma crise durante uma pandemia, eu não tenho vocação para carbonário, muito pelo contrário. Acho que o momento é inapropriado para isso. Eu sinalizei: “Então vamos substituir o Valeixo por alguém que represente a continuidade dos trabalhos. Alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse uma sugestão minha também, na verdade nem minha, uma sugestão da própria Polícia Federal”.
Eu sinalizei com o nome do atual diretor executivo, da Polícia Federal, Disney Rossetti. Nem tenho uma grande familiaridade com o Disney Rossetti, mas é uma pessoa de carreira, de confiança. E, como eu disse, essas questões não são pessoais, não são preferências pessoais, são as questões que têm de ser decididas tecnicamente. Fiz esta sinalização, mas não obtive resposta. O presidente tem a preferência de alguns nomes que seriam da indicação deles. Não sei qual vai ser exatamente a escolha.
Foi ventilado um nome de um delegado que passou mais tempo no Congresso do que na ativa na Polícia Federal. Foi indicado ou sugerido o nome do atual diretor da Abin, que é até um bom nome dentro da Polícia Federal. Mas o grande problema é que não são tantos essa questão de quem colocar, o problema é por que trocar. E permitir que seja feita a interferência política no âmbito da Polícia Federal.
O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja o diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação.
As investigações têm de ser preservadas. Imaginem se, durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, o presidente, a então presidente Dilma ou o ex-presidente Luiz [Inácio Lula da Silva] ficasse ligando para o superintendente em Curitiba, para colher informações sobre as investigações em andamento. A autonomia da Polícia Federal, como o respeito e a autonomia da aplicação da lei, seja a quem for, isso é um valor fundamental que nós temos preservar dentro de um Estado de Direito.
O presidente me disse isso expressamente, ele pode não confirmar essas questões, mas, enfim, é algo que realmente não entendia apropriado. Então o grande problema não é quem entra, mas por que alguém entra. E se esse alguém, sendo a corporação, aceitando da substituição do atual diretor-geral, com o impacto que isso vai ter na corporação, não conseguiu dizer não ao presidente a uma proposta dessa espécie, eu fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas.
Há uma possibilidade de que se afirme que o Maurício Valeixo gostaria de sair, mas isso não é totalmente verdadeiro. O ápice da carreira de qualquer policial federal, delegado da Polícia Federal, é a direção-geral da Polícia Federal. E ele entrou com uma missão. Claro que, depois de tantas pressões para que ele saísse, ele de fato até manifestou a mim: “Olha, talvez seja melhor eu sair, para diminuir esse, essa cisma, e nós conseguirmos realizar substituição aqui adequada. Aí eu sairia para uma adidância ou para um outro cargo”. Mas nunca isso voluntariamente e, sim, decorrente dessa pressão que, a meu ver, não é apropriada. E o grande problema: [se fosse] uma sugestão que seja orientada por causas que possam ser sustentadas, não haveria aí nenhum problema específico.
O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal. E que a troca também seria oportuna, da Polícia Federal, por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição. É até algo que gera uma grande preocupação.
Enfim, eu sinto que eu tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal. E, por todos esses motivos, que eu ainda busquei uma solução alternativa, para tentar evitar uma crise política durante uma pandemia. Acho que o foco deveria ser o combate à pandemia. Mas entendi que eu não podia deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de Direito.
A exoneração que foi publicada eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso me foi trazido. Em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração. Depois ele me comunicou que ontem à noite que recebeu uma ligação dizendo que iria sair a exoneração a pedido e se ele concordava. Ele [me] disse: “Como é que eu vou concordar com alguma coisa? Eu vou fazer o quê, né?” Se ele já estava sujeito à exoneração a pedido, não há o que dizer sobre exoneração ex officio. Mas o fato é que existe um pedido que foi feito de maneira formal. Eu, sinceramente, fui surpreendido. Achei que isso foi ofensivo. Vi que depois a Secom afirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso de fato não é verdadeiro.
Para mim, esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer realmente fora do cargo. Não me quer presente aqui dentro do cargo. Por que essa precipitação na realização da exoneração? Não vejo aí muita justificativa.
Eu tenho até outras divergências, tive outras divergências com o presidente da República durante essa permanência aqui. Tive muitas convergências. Recebi apoio do presidente em diversas ocasiões importantes, assim como dei apoio ao presidente da República em várias circunstâncias. Tive pontuais divergências, mas eu acho que, como ministro, eu estou numa relação que eu tenho que preservar também a questão da hierarquia. Mas não vou aqui falar dessas outras divergências. Isso fica para uma outra ocasião.
De todo modo, o meu entendimento foi que eu não tinha como aceitar essa substituição [de Valeixo]. Há uma questão também envolvida da minha biografia como juiz, de respeito à lei, ao Estado de Direito, à impessoalidade no trato das coisas de governo. E eu vivenciei isso durante a Lava Jato. Seria um tiro na Lava Jato se houvesse substituição de delegados, superintendentes, naquela ocasião. Então, eu não me senti confortável. Tenho que preservar a minha biografia, mas acima de tudo eu tenho que preservar o compromisso, que foi o compromisso que eu assumi inicialmente com o próprio presidente, que nós seríamos firmes no combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta.
E um pressuposto necessário para isso é que nós temos que garantir o respeito à lei, à própria autonomia da Polícia Federal, contra interferências políticas. Decerto, o presidente indica e tem essa competência, ele indica o diretor-geral, mas ele assumiu um compromisso comigo inicial de que seria uma escolha técnica, que eu faria essa escolha, e o trabalho vem sendo realizado. Poderia ser alterado o diretor-geral, desde que eu tivesse uma causa consistente. Não tendo uma causa consistente, e percebendo que essa interferência política, pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre os superintendentes, com o presidente da República, é algo que realmente eu não posso concordar.
[Falando] um pouco sobre o futuro. De todo modo, eu agradeço ao presidente da República a nomeação, como foi feita, lá atrás. Nós tínhamos um compromisso e eu fui fiel a esse compromisso. Estou sendo fiel a esse compromisso no momento em que eu me encontro aqui dentro do Ministério da Justiça. No futuro, eu vou começar a empacotar as minhas coisas e vou providenciar aqui o encaminhamento da minha carta de demissão. Eu, infelizmente, não tenho como persistir com o compromisso que assumi sem que eu tenha condições de trabalho, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar os seus trabalhos. Ou sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal cujos resultados são imprevisíveis.
Espero que, independentemente da minha saída, seja feita a escolha de um… Quem sabe até a própria manutenção da direção atual, já que o pedido de exoneração não existe. Mas, não havendo essa possibilidade, que seja feita uma escolha técnica, sem preferências pessoais. Que também a instituição… Dá para se confiar na Polícia Federal, né? A Polícia Federal tem um histórico. Ela vai também resistir a qualquer espécie de interferência política, tenho crença nisso. E que seja indicado alguém que possa realizar um trabalho autônomo, independente. Alguém que não concorde em trocar superintendentes ou delegados por motivos não justificados.
O meu futuro pessoal, após disso, eu abandonei esses 22 anos de magistratura. Infelizmente, é um caminho sem volta, mas, quando eu assumi, eu sabia dos riscos. Vou descansar um pouco. Nesses 22 anos foram muito trabalho. Em especial durante todo esse período da Lava Jato, praticamente não tive descanso e nem durante o exercício do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. Vou procurar mais adiante um emprego. Não enriqueci no serviço público, nem como magistrado, nem como ministro.
E quero dizer que, independentemente de onde eu esteja, eu sempre vou estar à disposição do país para ajudar, no que quer que seja. Se eu puder ajudar nesse período da pandemia com outras atitudes. Mas, enfim, sempre respeitando o mandamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública nessa gestão, que é fazer a coisa certa sempre. Muito obrigado.