Judiciário e Congresso querem mudança temporária de leis durante pandemia
Prazos prescricionais: todos suspensos Lei de Dados: postergada por 18 meses Despejo: proibido até 31 de dezembro Assembleias: reunião virtual liberada Toffoli articulou e Anastasia adotou
Os Poderes Judiciário e Legislativo se uniram para montar 1 projeto de lei que suspende inúmeras regras e determinações até o final de 2020. O objetivo é dar segurança jurídica ao país enquanto persistirem os efeitos mais fortes da pandemia de coronavírus no mundo.
A ideia é que todas essas mudanças sejam temporárias e depois o direito volte ao estado anterior, com todas as regras já existentes. Trata-se de projeto de lei emergencial exclusivamente para o direito privado. Não altera nem revoga leis em vigor, apenas suspende parcialmente a eficácia de algumas.
O texto foi protocolado no Senado por Antonio Anastasia (PSD-MG), que é o atual vice-presidente da Casa. Leia aqui o projeto completo (415 KB).
Se aprovado, o texto muda temporariamente regras para despejo de inquilinos que alugam imóveis residenciais, suspende prazos de prescrição, restringe até outubro o direito de devolução de mercadorias (em razão de dificuldades logísticas), permite assembleias de empresas, condomínios e outras pessoas jurídicas na modalidade virtual e prorroga a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em 18 meses.
A redação do projeto foi coordenada e incentivada pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli. Muitos advogados e especialistas colaboraram. A cúpula do Congresso foi consultada e deu sinal verde. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é simpático ao projeto. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP), acompanhou enquanto não estava em quarentena (ele está com covid-19). Antonio Anastasia é 1 entusiasta da ideia e adotou a paternidade do texto.
Há 2 sinais relevantes nessa iniciativa.
Primeiro, trata-se de projeto que traz segurança jurídica para o país. A disrupção causada pela pandemia de coronavírus tem poder de produzir centenas de milhares de ações na Justiça. Ao interromper prazos e certos aspectos das leis civis temporariamente, a possível nova lei criará uma espécie de “pausa legal” que terá o objetivo de tranquilizar milhares de juízes, promotores e defensores em todo o país. Tem a vantagem de não ser algo permanente: passada a pandemia, voltam todas as regras anteriores.
O segundo sinal que traz essa proposta de lei é uma espécie de alijamento do Poder Executivo. O time do presidente Jair Bolsonaro poderia ter tomado a frente e apresentado proposta semelhante. Mas não houve interesse. É como se o Brasil estivesse, neste momento, sendo conduzido por apenas 2 Poderes, o Judiciário e o Legislativo, quando se trata de dar ao país segurança jurídica durante a pandemia.
PONTOS DE DESTAQUE
A seguir, resumo dos itens do projeto:
- 20 de março é o marco inicial – os efeitos jurídicos da pandemia estão delimitados a partir de 20 de março de 2020. O texto e impede a alegação de caso fortuito para justificar dívidas antigas;
- prazos prescricionais – ficam suspensos até 30 de outubro de 2020;
- atos associativos – reuniões de colegiados e assembleias poderão ser realizadas por meio remoto;
- despejos de imóveis – ficam suspensos até 31 de dezembro de 2020. Mas o inquilino não está liberado de pagar os aluguéis. No entanto, se o locatário sofrer alteração econômico-financeira decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição da remuneração, poderá suspender total ou parcialmente o pagamento dos aluguéis a partir de 20 de março até 30 de outubro;
- contratos agrários – são flexibilizadas as regras. Mas impede a contagem de tempo para usucapião durante a pandemia;
- condomínios – cria restrições temporárias de acesso e aglomeração em áreas comuns. Obras estruturais podem ser executadas. É admitida a realização de assembleia virtual;
- assembleias e reuniões – são autorizadas na modalidade virtual em sociedades comerciais, empresas e condomínios. Os dividendos e outros proventos poderão ser antecipados;
- práticas anticoncorrenciais – algumas sanções ficam suspensas com o objetivo de atender às necessidades da escassez de serviços e produtos. Um dos segmentos afetados será o de delivery;
- pensão alimentícia e inventários – regras específicas são adotadas emergencialmente para prisão civil de devedor de alimentos e para início do prazo de abertura e de conclusão de inventários. Prisão de devedor de alimentos será domiciliar;
- Lei Geral de Proteção de Dados – a vigência da LGPD é adiada por mais 18 meses.
AUTORES
O projeto de lei idealizado por Dias Toffoli é apoiado e apresentado por Antonio Anastasia. A redação teve a ajuda de professores de direito civil, direito comercial e direito processual. Entre outros, participaram Fernando Campos Scaff, Paula Forgioni, Marcelo von Adamek e Francisco Satyro (da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo); José Manoel de Arruda Alvim Netto (da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Rodrigo Xavier Leonardo (da Universidade Federal do Paraná) e Rafael Peteffi da Silva (da Universidade Federal de Santa Catarina). Participaram também os advogados Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias.
Algumas das normas contidas no projeto devem ser apresentadas por Dias Toffoli ao Conselho Nacional de Justiça, sob a forma de recomendação aos juízes brasileiros.
Só depois de o projeto de lei ser eventualmente aprovado, entretanto, é que terá efeitos gerais e vinculantes para todo o país.
Uma das fontes de inspiração de Toffoli e Anastasia foi a chamada Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918, que foi apresentada pelo deputado que lhe deu nome na França. Essa lei tratava dos contratos de fornecimento de carvão, concluídos antes da 1ª Grande Guerra Mundial (1914-1918), mas que sofreram impacto por causa do conflito. A iniciativa francesa criou regras excepcionais para a aplicação da teoria da imprevisão.
No Brasil, tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor têm regras adequadas para resolver ou revisar contratos por imprevisão. Mas agora, com a pandemia de coronavírus, os autores da proposta de lei apresentada por Antonio Anastasia desejam “conter os excessos em nome da ocorrência do caso fortuito e da força maior”, como está na exposição de motivos do projeto.
Ao mesmo tempo, há também o objetivo de permitir que “segmentos vulneráveis como os locatários urbanos não sofram restrições ao direito à moradia”.