O que é o isolamento vertical e por que ele pode não funcionar
O pronunciamento feito pelo presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira (24) sobre a pandemia de Covid-19 chamou atenção por diversos motivos. Além de comparar a doença causada pelo novo coronavírus com uma gripe comum, o governante contradisse as indicações dos especialistas a respeito do distanciamento social: segundo o presidente, a melhor forma de conter a doença sem prejudicar a economia é o chamado “isolamento vertical”.
Mas, afinal, o que é esse tal “isolamento vertical”?
Se no distanciamento social (ou “isolamento horizontal”) a ideia é restringir o contato entre as pessoas o máximo possível para impedir a transmissão da doença, no isolamento vertical, o foco são as pessoas com mais de 65 anos e aquelas que têm condições pré-existentes (o chamado “grupo de risco”), além dos já infectados, claro.
Quem defende essa alternativa acredita que o distanciamento social dessa parcela da população é suficiente. Ou seja, escolas, postos de trabalho e estabelecimentos comerciais podem continuar abertos — só não devem ser frequentados pelo grupo de risco.
David L. Katz, médico da Universidade Yale, nos Estados Unidos, defende em um artigo publicado no The New York Times que a medida também ajuda o sistema de saúde a focar na população que é especialmente vulnerável e a fornecer a essas pessoas os recursos necessários. “Esse foco em uma parcela muito menor da população permitiria que a maioria da sociedade voltasse à vida como de costume e talvez evitasse o colapso de vastos segmentos da economia”, escreveu Katz.
O médico acredita que, mesmo que outras pessoas fossem contaminadas, a grande maioria desenvolveria infecções leves por coronavírus, o que permitiria que os recursos médicos se concentrassem naqueles com casos realmente graves. “Uma vez que a população em geral fosse exposta e, se infectada, se recuperasse e ganhasse imunidade natural, o risco para os mais vulneráveis cairia dramaticamente”, observou Katz. “Enquanto estivéssemos protegendo os verdadeiramente vulneráveis, uma sensação de calma poderia ser restaurada à sociedade.”
Entretanto, o especialista pondera que não existem estudos que corroborem essa hipótese — enquanto pesquisas demonstrando a eficácia do distanciamento social não param de ser publicadas.
De acordo com os cientistas que defendem a intervenção horizontal, o problema é simples: se pessoas que não fazem parte do grupo de risco contraírem a doença, o risco de transmitirem para alguém que de fato pertence ao grupo é alto. Isso porque muitos idosos vivem com pessoas mais jovens ou estão em constante contato com os netos, por exemplo.
Imagine uma criança cuja mãe trabalha em uma grande empresa. Ela leva o filho para a escola todas as manhãs e o busca no horário do almoço, deixando-o na casa dos avós para passar o resto do dia. A noite a tarefa de buscar a criança é do pai, que trabalha como vendedor, entrando em contato com diversas pessoas durante o dia. Se nesse ínterim qualquer membro da família tiver entrado em contato com alguém infectado, as chances de contaminarem os avós da criança, que fazem parte do grupo de risco, é muito alta.
E não é só isso. A ideia de que casos graves ocorrem apenas em maiores de 65 anos não é de todo correta. Segundo uma pesquisa do Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), 47% dos casos mais graves de Covid-19 no país eram de pessoas com menos de 65 anos.
Para o infectologista Luis Fernando Aranha, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, os dois tipos de isolamento podem apresentar vantagens. “De maneira geral, o isolamento, vertical ou horizontal, tem o benefício de diminuir o contato físico, que é o que pode acabar com uma epidemia”, comenta.