O Dia Em Que A Terra Parou: análise da música de Raul Seixas

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Raul Seixas é um artista atemporal. Muitas de suas músicas continuam mais atuais do que nunca e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e as situações pelas quais passamos.

Prova disso é uma canção lançada em 1977 que voltou a fazer sucesso devido à coincidência com o momento em que estamos vivendo: estamos nos referindo a O Dia Em Que A Terra Parouque fala sobre um dia em que ninguém mais saiu de casa.

Em tempos em que o mundo quase todo está de quarentena por conta do corona vírus, a música ganha ares de profecia e impressiona quem a escuta nos dias de hoje.

Por isso, preparamos uma análise de O Dia Em Que A Terra Parou, mostrando toda a genialidade de Raul Seixas. Vem ver!

Significado da música O Dia Em Que A Terra Parou

Escrita em parceria com o compositor Cláudio Roberto, O Dia Em Que A Terra Parou faz parte do álbum de mesmo nome e tem como inspiração o filme de ficção científica, também homônimo, lançado em 1951.

Capa do filme O Dia em Que a Terra Parou / Créditos: Divulgação

Dirigido por Robert Wise, o longa O Dia Em Que A Terra Parou conta a história de um alienígena que vem ao planeta trazer uma mensagem de paz.

Para demonstrar seu poder, o alien faz com que todos os aparelhos elétricos da Terra parem de funcionar, com exceção daqueles essenciais à vida, como os de hospitais e de aviões em voo.

Cena do filme O Dia Em Que a Terra Parou / Créditos: Divulgação

Lançado no início da Guerra Fria, o filme tinha a intenção de fazer um apelo de paz entre os povos da Terra. Já a letra de Raul e de Cláudio Roberto tem um propósito parecido, mas vai por outro caminho: na música, são as pessoas que deixam suas atividades.

Assim, é possível que os compositores tivessem em mente o conceito de divisão social do trabalho, a partir do ponto de vista do sociólogo Émile Durkheim.

Segundo ele, cada um de nós desempenha uma função fundamental para o equilíbrio da sociedade, o que deveria gerar harmonia e solidariedade entre as pessoas.

Análise da música O Dia Em Que A Terra Parou

Vamos dar uma olhada na letra da canção verso a verso? Acompanhe!

Essa noite, eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, eu sonhei
Com o dia em que a Terra parou

A canção se inicia com o autor contando sobre um sonho que teve. É interessante notar a redundância do verso um sonho de sonhador, que dá a entender que ele não teve um mero sonho, como todos temos durante o sono, mas sim o devaneio de um visionário.

Vale mencionar também a presença do termo malucocomo todos sabem, Raul era considerado um doidão e ficou conhecido pelo apelido Maluco Beleza, título de uma música que aparece no mesmo álbum que O Dia Em Que A Terra Parou.

Créditos: Divulgação

Foi assim
No dia em que todas as pessoas
Do planeta inteiro
Resolveram que ninguém ia sair de casa
Como que se fosse combinado em todo
O planeta
Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém

Aqui percebemos que não foi o planeta Terra que parou literalmente, deixando de girar.

Na verdade, foram as pessoas ao redor do mundo que decidiram ficar em suas casas, deixando de produzir, de consumir e de fazer quaisquer outras atividades.

O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá
E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão também não tava lá
E o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar
No dia em que a Terra parou

Para algumas pessoas, os compositores estão tratando do conceito de divisão social do trabalho a partir de Karl Marx. Para o filósofo, o trabalho gera uma hierarquia social entre a classe dominante, dona do capital, e a classe trabalhadora.

Karl Marx / Créditos: Divulgação

Como o trecho acima começa mencionando trabalhadores, essa interpretação sugere que a música trataria de uma greve geral, em que os profissionais deixariam de produzir por um dia, causando o colapso do sistema capitalista.

Embora não seja possível afirmar que essa interpretação é correta, é possível fazer uma relação entre ela e o momento atual: com grande parte das pessoas impedidas de sair de casa e estabelecimentos comerciais sendo fechados, uma crise econômica é inevitável.

E nas Igrejas nem um sino a badalar
Pois sabiam que os fiéis também não tavam lá
E os fiéis não saíram pra rezar
Pois sabiam que o padre também não tava lá
E o aluno não saiu para estudar
Pois sabia o professor também não tava lá
E o professor não saiu pra lecionar
Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar
No dia em que a Terra parou

Mais uma vez, um trecho que se parece bastante com o que estamos vivendo: igrejas e escolas fechadas, uma vez que ninguém deve sair às ruas.

Aqui a ideia de que estamos todos interconectados fica ainda mais forte e mostra como determinadas funções perdem o sentido quando isoladas — se não há fiéis, o padre não tem motivos para abrir a igreja; se não há alunos, o ofício de professor é inútil.

O comandante não saiu para o quartel
Pois sabia que o soldado também não tava lá
E o soldado não saiu pra ir pra guerra
Pois sabia que o inimigo também não tava lá
E o paciente não saiu pra se tratar
Pois sabia que o doutor também não tava lá
E o doutor não saiu pra medicar
Pois sabia que não tinha mais doença pra curar
No dia em que a Terra parou

O trecho acima talvez seja o que mais carrega uma mensagem pacifista: sem exército e sem “inimigos”, não há sentido haver uma guerra.

Vale lembrar que a música foi composta quando o país ainda vivia sob uma ditadura militar, o que confere aos versos um tom de crítica velada ao regime.

Protesto na época do regime militar / Créditos: Divulgação

A fantasia de paz dos versos acima também tem uma pegada de utopia, uma vez que o autor imagina não só um mundo sem guerras, mas também sem doenças.

Essa noite, eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, acordei
No dia em que a Terra parou

A música de Raul procura nos lembrar de que todos precisamos uns dos outros, embora muitas vezes não nos demos conta disso.

Ela pode ser interpretada tanto como uma crítica ao conformismo, mostrando que cada um desempenha uma função essencial na sociedade, quanto um desejo de que um mundo mais solidário não seja apenas um sonho.

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