Ignorado por Bolsonaro, Witzel quis demonstrar diálogo com governo
Presidente se irritou com diálogo divulgado sem aviso nas redes sociais pelo governador do Rio de Janeiro com Hamilton Mourão
Depois de esperar por dois meses uma audiência com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sem sucesso, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), partiu para o plano B na intenção de se reaproximar do Planalto. Witzel gravou uma conversa com o presidente em exercício Hamilton Mourão e pediu apoio do governo federal ao envio de água potável às áreas atingidas pelas chuvas no interior do estado. Com a atitude, protagonizou mais um capítulo da briga com o clã presidencial. De acordo com fontes do Palácio Guanabara ouvidas por VEJA nesta segunda-feira, 27, a estratégia de Witzel foi a de “pressionar” Bolsonaro e mostrar que a ausência de diálogo entre os dois “é por culpa do presidente”.
A relação de Bolsonaro e Witzel começou a se deteriorar após o governador do Rio não esconder mais de ninguém o sonho de disputar a Presidência da República, em 2022. A situação ficou insustentável quando o próprio presidente o acusou de interferir nas investigações da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL). Para Bolsonaro, a atuação direta de Witzel no inquérito seria para incriminar ele e sua família no assassinato da parlamentar. Witzel sempre negou. Desde então, Bolsonaro tem tratado Witzel como inimigo político e o ignorado.
Na gravação, divulgada em sua rede social, Witzel aparece conversando com Mourão dentro do carro, no município de Porciúncula, e não avisa que está no viva-voz do telefone. As imagens teriam sido registradas pelo secretário de Governo de Witzel, Cleiton Rodrigues. Ele, porém, não confirma a autoria a VEJA. Em agosto do ano passado, Cleiton foi quem gravou Witzel no momento em que o governador descia de um helicóptero na Ponte Rio-Niterói depois do sequestro de um ônibus, com reféns. Witzel saiu da aeronave comemorando o sucesso da operação que terminou com a morte do bandido.
Três meses depois, Witzel enviou o ofício 389/2019 ao Palácio do Planalto pedindo a audiência com Bolsonaro para tratar sobre “assuntos de relevante interesse para o Estado do Rio de Janeiro”. Na pauta da reunião, estava a renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Não obteve resposta embora o porta-voz do Planalto ter afirmado que o pedido estava sendo analisado. Bolsonaro está em viagem à Índia. De lá, demonstrou irritação ao ser questionado sobre a gravação de Witzel.
“Não é usual alguém fazer isso. Não gostaria que fizessem comigo”, disse Bolsonaro aos jornalistas.
Mourão também criticou o governador do Rio:
“Em relação ao governador Wilson Witzel, ele diz que foi fuzileiro naval. Acredito que ele esqueceu a ética e a moral, que caracterizam as Forças Armadas, quando saiu do Corpo de Fuzileiros Navais. Nada mais eu tenho a dizer a respeito”, declarou o presidente em exercício, no Palácio do Planalto, na manhã desta segunda-feira.
Em nota, a assessoria de imprensa do governador tentou justificar:
“O vídeo divulgado nas redes sociais do governador Wilson Witzel tem somente a intenção de tranquilizar os moradores de cidades do noroeste do estado, fortemente atingidas pelas chuvas e, em função disso, sem item básico neste momento que é água para consumo. A informação de que os governos estadual e federal estarão juntos para atender demandas básicas da população da região não tem qualquer outra conotação que não demonstrar união num momento de necessidade do povo. Por isso é importante e de interesse público. A disposição de auxiliar a região demonstrada pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, é prova do compromisso com as vítimas dessa calamidade que trouxe grandes prejuízos a várias cidades fluminenses. Ressalte-se que o telefonema caracteriza uma conversa de trabalho, buscando uma solução para um problema específico. E a sensibilidade demonstrada pelo presidente em exercício evitará o sofrimento de milhares de pessoas”.
Mais tarde, Witzel, vestido com um colete da Defesa Civil, divulgou outro vídeo. Desta vez, gravado de dentro de um helicóptero. O governador afirmou que quis “demonstrar união” entre os poderes:
“Eu quero dizer que a minha ligação, ontem (domingo), ao vice-presidente, foi para demonstrar união, de todos aqueles que estão preocupados com essa tragédia: município, estado e União. E dar satisfação para os prefeitos, para o povo, de que o governador do estado está também pedindo esse apoio à União. Então, espero que nós todos estejamos unidos para salvar essas pessoas que estão hoje debaixo de água”.
O vídeo da conversa de Witzel com Mourão tem até legenda.
Confira a diálogo:
Wilson Witzel: Senhor presidente, boa tarde!
Hamilton Mourão: Boa tarde, governador, tudo bem?
Wilson Witzel: Tudo bem! Presidente, estou aqui em Porciúncula, uma região muito afetada, Porciúncula, a região de Itaperuna…
Hamilton Mourão: Estamos cientes, estamos cientes, governador.
Wilson Witzel: O maior problema, agora, presidente, é água. Estou com uma grande quantidade de água lá no Rio de Janeiro e precisava trazer para cá. E, realmente, a população aqui de Porciúncula é de 15 mil pessoas sem água. Estou indo para uma outra região daqui, Bom Jesus (de Itabapoana), também sem água da Cedae porque as bombas estão submersas, está a metade da cidade submersa. Nós já pedimos para o Ministério da Defesa para fazer o protocolo e aí estou passando para o senhor essa nossa necessidade.
Hamilton Mourão: Vou falar com o ministro Fernando (Azevedo, da Defesa) para intensificar isso aí. O ministro (Gustavo) Canuto (de Desenvolvimento Regional) está lá em Minas Gerais e no Espírito Santo. Aí, qualquer coisa a gente apoia mais alguma coisa aí no Rio de Janeiro, governador. Fica tranquilo.
Wilson Witzel: Tá bom, presidente! Vou avisar aqui os prefeitos que estão comigo. Vou comunicar a eles. Obrigado! Agradeço o apoio do senhor e da União!