Líder, do DPVAT, pagou R$ 3,67 milhões a escritório de sobrinho de Barroso. Ganhou todas no STF, revela a Folha
Da Redação
A seguradora Líder, responsável pela gestão do seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT), pagou honorários a pessoas próximas de autoridades, descumpriu boas práticas e correu “risco de sanções por descumprimento à lei anticorrupção”.
As informações são de uma auditoria da empresa KPMG, feita a pedido da própria Líder, e divulgadas pela Folha de S. Paulo.
De acordo com a auditoria, a Líder pagou R$ 3,67 milhões ao escritório do sobrinho do ministro Luís Roberto Barroso. Os 21 pagamentos foram feitos entre 2009 e 2016.
Rafael Barroso Fontelles constituiu a banca para suceder a Luís Roberto Barroso & Associados, depois que o atual ministro do STF se afastou da advocacia para assumir o cargo, em 26 de junho de 2013.
A banca do sobrinho de Barroso foi bem sucedida na defesa da Líder em ADIs que alteravam as regras do DPVAT.
De acordo com a auditoria, a Líder “não tinha detalhes sobre a prestação de serviços”, informou a Folha.
Barroso se declarou impedido de participar dos julgamentos.
Quando ainda não era ministro, Barroso recebeu R$ 100 mil da Líder para fazer um parecer contra a ADI 4.823, com promessa de outros R$ 400 mil em honorários se houvesse êxito.
A ação foi declarada improcedente.
A ADI 4.823 foi proposta pela Federação Interestadual dos Mototaxistas e Motoboys.
Questionava a redução do seguro pago aos acidentados, que beneficiou as seguradoras:
A ação alega que o artigo 8º da Lei 11.482, além de reduzir o valor da indenização, antes fixado em 40 salários mínimos (o equivalente a R$ 24.880), para R$ 13.500, não aplicou nenhum fator de correção monetária ou indexador legal.
“Se o valor permanecer congelado, daqui a alguns anos iremos retroagir a meados da década de 80, quando o valor total do Seguro Obrigatório não pagava a seus beneficiários um salário mínimo”, afirma a autora.
Em relação à Lei 11.945, são questionados os artigos 19, 20 e 21. Segundo a Fenamoto a norma traz uma tabela “macabra” para o cálculo da indenização por invalidez permanente, “loteando” o corpo humano e sugerindo “percentuais irrisórios sobre o valor já ínfimo”.
As alterações, para a entidade de classe, beneficiam as seguradoras, “auferindo rendimentos milionários ao Convênio Privado do DPVAT, em detrimento das vítimas de acidente de trânsito”.
As seguradoras ganharam.
Em outubro de 2014, o STF julgou conjuntamente as ADIs 4.627 (Psol) e 4.350 (Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços), que também questionavam as mudanças nas regras do DPVAT.
Mais uma vez, as seguradoras ganharam:
Em relação à alteração das indenizações, o ministro Luiz Fux sustentou que os valores do DPVAT não são imutáveis, podendo ser modificados pelo legislador sem que isso represente qualquer violação dos preceitos constitucionais. Destacou ainda que não há qualquer proibição à fixação dos valores em moeda corrente.
“As regras atendem aos ideais de justiça e ao princípio da isonomia e proporcionalidade, não apresentando valores irrisórios de indenização”, afirmou o relator.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, fulminou 770 casos que estavam sendo questionados em instâncias inferiores e foram julgados na forma de um Recurso Extraordinário com Agravo:
O ministro Gilmar Mendes, relator do recurso, observou que a fixação do valor da indenização em moeda corrente não representou violação ao princípio da proibição de retrocesso ou afronta à dignidade da pessoa humana. No entendimento do ministro, embora a ação estatal deva caminhar no sentido da ampliação de direitos e de assegurar-lhes a máxima efetividade possível não significa que seja terminantemente vedada alteração restritiva na legislação, desde que mantido o núcleo essencial do direito tutelado.
O relator salientou que os valores de DPVAT não podem ser considerados irredutíveis. Em seu entendimento, a postulação de que se considera inconstitucional a alteração legal que desvinculou as indenizações do salário mínimo e as fixou em moeda corrente vai de encontro à própria realidade dos fatos, pois é preciso levar em conta que os direitos sociais e os direitos fundamentais, demandam ações positivas e têm custos que não podem ser ignorados pelo poder público ou pelo poder Judiciário.
“Levar os direitos a sério requer que se considere também os custos para sua efetivação, que aliás serão tanto mais relevantes quanto mais dispendiosa seja a concretização do direito ou da política pública em questão”, concluiu o ministro.
De acordo com a reportagem da Folha, também recebeu honorários da Líder o advogado Mauro Hauschild, que foi assessor do ministro Dias Toffoli, hoje presidente do STF.
Foram R$ 3 milhões entre 2012 e 2016.